Como me tornei estúpido

Capa Brasileira

Responda: A ignorância é uma benção?

"Como me tornei estúpido" é o nome de um livro do francês Martin Page que Tweek me emprestou. A edição brasileira é da Rocco, tem 158 páginas e a capa é esta acima. É do tamanho daqueles livros de bolso.

A história gira em torno de Antoine, um rapaz com uma inteligência aguçada e voltado para as reflexões mundanas. Estas levavam-no a infelicidade, pois ao seu redor via que os outros eram puramente felizes, sem refletir sobre suas ações e com a mais absoluta certeza das coisas. De qualquer coisa.

Antoine era como um discípulo pós-moderno de Socrates: dizendo para si mesmo "só sei que nada sei" duvidava de si próprio. Para o leitor, descrevo Antoine como um fatalista e pessimista.

Tanta infelicidade fez com que Antoine resolvesse se tornar alcoólatra, mas não um qualquer. Primeiro ele resolveu conhecer tudo que a literatura falava acerca das bebidas: cerveja, vinho, whisky, champagne, tequila... TUDO. Se era pra ser um alcoólatra, que fosse o melhor. Essa experiência não deu muito certo (leiam o livro pra saber porque), então Antoine resolveu se matar.

Ele seria alcoolatra, ou seja, alguém que tem uma doença socialmente reconhecida. Os alcoolatras são compreendidos, são cuidados, tem uma consideração médica, humana. Ao passo que ninguém pensa em compadecer-se das pessoas inteligentes: "Ele observa os comportamentos humanos e isso deve fazer dele uma pessoa infeliz". "Minha sobrinha é inteligente, mas é uma pessoa muito boa. Ela quer sair disso".

O suicídio, contudo, era uma arte. Ele não podia correr o risco de não conseguir se matar e viver a vida como um invalido. Antoine decidiu entrar num curso que ensinava como se suicidar. Por motivos que vocês saberão quando ler, não deu certo.

A professora Astanavis pegou um controle remoto e dirigiu-o para a parede coberta por um quadro branco. Apareceu a imagem de um homem enforcado num quarto de hotel. Não bastasse, ele tinha as veias dos pulsos abertas e o sangue formara dois grossos círculos vermelhos no carpete bege. Quando a foto fora tirada, o corpo devia balançar ligeiramente, pois o seu rosto estava desfocado. Os espectadores em torno de Antoine aplaudiram e fizeram, entre si, comentários elogiosos sobre esse suicídio mesclado.

Vendo que sua inteligência sem foco era um empecilho para viver plenamente em sociedade, Antoine finalmente decide se tornar estúpido. Iguais aos outros. Consumir. Buscar status. Gastar dinheiro em objetos que não necessita verdadeiramente, somente para ser bem aceito pelos outros. Infelizmente o seu emprego como professor na universidade ensinando aramaico não era suficiente e Antoine já estava tendo problemas para pagar o aluguel.

E aí que a história COMEÇA de verdade. Como Antoine conseguiria alcançar sua meta de tornar-se feliz e desfazer-se de suas reflexões morais ao mesmo tempo? O que os amigos de Antoine pensam disso? E os novos amigos? Quais os obstáculos que Antoine terá que enfrentar nessa sua jornada?

Esse trecho abaixo do livro me lembrou um outro que li há muito tempo chamado "Direito a preguiça" de Paul Lafargue (genro de Karl Marx). Trata do ócio criátivo.

A inteligência é um erro da evolução. No tempo dos primeiros homens pré-históricos, posso imaginar perfeitamente bem, no seio de uma pequena tribo, todos os meninos correndo no mato, perseguindo os lagartos, colhendo bagas para o jantar; e pouco a pouco, em contato com adultos, aprendendo a ser homens e mulheres completos: caçadores, coletores, pescadores, curtidores... Mas, olhando mais atentamente a vida desta tribo, percebe-se que algumas crianças não participam das atividades do grupo: elas permanecem perto do fogo, protegidas no interior da caverna. Elas jamais saberiam se defender dos tigres-dentes-de-sabre, nem poderiam caçar; entregues a si mesmas, não sobreviveriam por uma noite. Se elas passam os dias sem fazer nada, tal não se dá por indolência, não, elas bem que gostariam de dar cambalhotas com os companheiros, mas não o podem. Ao pô-las no mundo, a natureza manquejou. Nesta tribo, há uma pequena cega, um rapaz coxo, um rapaz desajeitado e distraído... Assim, eles permanecem no acampamento o dia todo, e, como não têm nada para fazer e como os videogames ainda não tinham sido inventados, são obrigados a refletir e a deixar deambular os seus pensamentos. E passam o tempo a pensar, a imaginar histórias e invenções. Eis como nasceu a civilização: porque crianças com defeitos não tinham nada mais para fazer.

Se a natureza não estropiasse ninguém, se o molde fosse sempre sem falha, a humanidade teria permanecido numa espécie de proto-humanidade, feliz, sem nenhum pensamento de progresso, vivendo muitíssimo bem sem Prozac, sem preservativos nem aparelho de DVD dolby digital.

Outros pontos bacanas do livro é o jogo das divisões fundamentais (pessoas que gostam de Superman e pessoas que gostam de Batman, por exemplo), a descrição de Antoine acerca do jogo de tabuleiro Banco Imobiliário, o conceito de banco de neurônios, o nunchaku no consultório médico, a teoria do tubarão, o principio da vacina, gangues de ladrões de batata fritas, a cena dos slides no melhor estilo Laranja Mecânica... é um ótimo livro. Leia! Recomendo MUITO!

Por que a gente não teria o direito de criticar, de achar certas pessoas babacas e fracas, sob pretexto de que teríamos um clima pesado e ciumento? Todo o mundo se comporta como se fôssemos todos iguais, como se fôssemos todos ricos, educados, poderosos, brancos, jovens, belos, machos, felizes, como se todos estivéssemos com boa saúde, como se todos tivéssemos um carrão... Mas isso, obviamente, não é verdade. Por isso, tenho o direito de gritar, de estar de mau humor, de não sorrir idiotamente todo o tempo, de dar a minha opinião quando vejo coisas não- normais e injustas, e até de insultar as pessoas. Tenho o direito de protestar

Capa Francesa

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