A Revolução Francesa e a Produção dos Espaços - “Entre o Espaço Público e Privado – A Formação do Estado Nacional”

Introdução

Este trabalho visa mostrar como a Revolução Francesa (1789-1799) influenciou na produção dos espaços, sejam eles políticos, geográficos, culturais, etc. Dentro destas designações, mostrar-se-á a relação entre o espaço público e o espaço privado durante o período revolucionário, bem como a formação do espaço nacional.
A queda da Bastilha, no dia 14 de julho de 1789, marca o início do movimento revolucionário. A Burguesia e a sociedade francesa tiveram um papel atuante nesta revolução. Podemos citar alguns exemplos como causa desta revolução, como a insatisfação do povo francês em relação ao regime absolutista, desigualdade social, falta de unidade administrativa e consequentemente a recolha inadequada de impostos, desejo burguês de deter mais poder junto ao clero e a nobreza, influência da revolução americana de 1776, etc.
Suas conseqüências podem ser definidas, de certo ponto, com uma citação de Ben Tahar Jelloun na qual “O Ano de 1789 é uma lembrança que pertence ao patrimônio universal; está inscrito em cada um de nós. Nascemos com essa lembrança, isto é, com a presença de uma libertação. Muitos morrem sem tê-la conhecido”.
Percebemos que o impacto da revolução francesa está presente até os dias de hoje, seja nas artes, nas ciências, nas novas concepções ideológicas... De imediato temos a queda do absolutismo, a unificação política e administrativa e a consolidação do poder político da burguesia. Em seguida, o surgimento de uma nova ideologia (Iluminismo), as bases para o desenvolvimento do liberalismo, socialismo e conservadorismo, uma constituição que garantia a liberdade individual dos cidadãos (e que foi “copiada” por diversas nações) e as bases de uma sociedade burguesa e capitalista. Podemos considerar estes últimos como uma “revolução após a revolução”.
Neste trabalho serão mostrados os conceitos pré-revolucionários em relação ao que se considerava um espaço público e espaço privado, e consequentemente o seu papel de atuação pós-revolução. Em seguida trataremos da formação do estado nacional Francês, suas divisões e subdivisões geográficas e os símbolos pátrios criados durante o período revolucionário.


A Revolução Francesa e a Produção dos Espaços
Entre o Espaço Público e Privado
A vida privada é o último reduto da
autenticidade, espontaneidade, verdade.”
(Margarethe Born Steinberger)

“O conceito de espaço público que se opõe a um espaço privado nasce junto com o conceito de Estado-nação, no contexto da Revolução Francesa em 1789. Até ali, o rei era o dono de todos os espaços, era o dono da primeira noite das esposas virgens, não esqueçam de Louis XIV dizendo "L’État c’est moi" - o rei era o próprio Estado.”
“Não havia, portanto, noção de direito individual, o indivíduo não podia ter direitos sobre espaços e territórios. Algumas sociedades indígenas ainda preservam essa visão de mundo e não compreendem como é que se pode pensar em possuir algo criado na Natureza. Só Deus pode possuir a Natureza, e por isso, o rei, identificado com a divindade, teria esse privilégio.”
“Com a criação de um Estado que não mais emana do poder divino, nasce a vida privada, sobre a qual o Estado não tem injunção. E nasce o conceito de poder público, a sociedade que toma em suas mãos o próprio destino, antes entregue a Deus ou à monarquia.

Partindo desta explicação de Margarethe Born Steinberger, podemos constatar que não havia um espaço propriamente privado antes da revolução francesa. Todos os espaços pertenciam ao rei, pois a sociedade francesa existia pelo “simples” fato de ser súdita deste rei, e não por haver um estado que a comportasse. O Antagonismo “Republica x Monarquia” era crescente. Os revolucionários também acreditavam que o “privado” era contra a revolução, pois o surgimento de interesses particulares seria um obstáculo a mesma. Trataram, pois, de separar o público do privado, afinal, “Se o homem público não defendia a Revolução de maneira satisfatória, o homem privado só podia ser corrupto”.
Onde então havia reuniões para debater sobre o governo? Estas aconteciam nos bares, cafés, nas próprias ruas parisienses. Massimo Terni nos mostra que estes locais eram palcos de discussões acirradas, onde se discutiam as noticiam diárias e os relatórios dos debates na Assembléia Nacional. Durante o período revolucionário, a criação de jornais se deu em um tom acelerado. Estas notícias que o povo francês discutia em suas reuniões eram difundidas por jornaleiros. Os jornais punham em pratica um caráter sensacionalista as suas reportagens (caráter este que ainda vigora nos tempos presentes). Os jornais mais lidos, em 1791, tinham posições políticas bem definidas e deixavam isto claro em seus periódicos. Nas discussões, a leitura não era solitária: lia-se em voz alta, pois a maioria da população era analfabeta. Assim, havia o uso da teatralidade a fim de convencer os ouvintes das convicções daquele que vos falava.
Homens e mulheres dividiam o tempo entre a militância na revolução e os seus papeis cotidianos (Comprar alimentos, por exemplo. O pão era o principal nas faixas mais pobres e entre os camponeses. Em Paris, as inovações culinárias fervilhavam. A Revolução trouxe uma mudança nos horários da alimentação). Por terem tido um papel atuante, podemos afirmar que os franceses comuns não delegaram suas atividades a outrem. Daniel Roche nos mostra que a sociedade esperava uma revolução pacifista, acreditavam numa suposta bondade das classes dominantes (que não foi o caso). Nos choques entre o Antigo Regime e os Revolucionários, acontecia destes últimos serem presos. As prisões propiciavam diferentes tratamentos em circunstância da classe social, acusação e do local. O Dinheiro comprava tudo nas prisões.
A Prostituição era comum em Paris. Segundo Arlete Frage, 13% da população feminina de Paris estavam neste meio. As prostitutas não são todas iguais: existem “classes” de acordo com o poder monetário. Há prostitutas para soldados, cortesãs para a nobreza e as pensionistas. Apesar da tentativa de repressão feita pela policia, a opinião pública é solidária a situação das prostitutas e condenam esta perseguição.
A Revolução influenciou a sociedade em seu estilo de se vestir. A Roupa passa a ter um significado político. O Exemplo principal é a denominação “sans-culottes” (sem calças), denominação pejorativa atribuída dos aristocratas aos pequenos proprietários e trabalhadores participantes da revolução. Após 1789 a nobreza era identificada pelo uso de roupas coloridas, enquanto as sóbrias e modestas roupas negras representavam a burguesia. Esta mesquinhez em relação à vestimenta se refletia em um sentimento de patriotismo. Nos homens a mudança foi significativa: uso do chapéu em detrimento do tricórnio, o desuso das perucas (isto também ocorreu com as mulheres), vestimenta com cores sóbrias (preto principalmente) em contraste com as coloridas roupas aristocráticas pré-revolução. No período mais efervescente da revolução, porem, era comum o uso das cores tricolores da revolução para exaltar o crescente nacionalismo. Podemos citar a mudança do vestuário das mulheres, com a substituição das anquinhas e espartilhos pelo pierrot e túnicas de musselina branca. Tentou-se até criar um uniforme civil, mas este não deu muito certo. Contudo, a roupa não perdeu o significado político. O Aspecto paradoxal desta nova moda francesa é que toda sua influência veio da grande rival, a Inglaterra.
A Religião, o Cristianismo Católico em especial, entrou em declínio durante a revolução. Antes tomada como inerente a toda a população, passou a ser fruto da opinião pessoal de cada individuo. Essa tomada de “consciência” ocorre fundamentalmente quando a população percebe que os males que acontecem no seu meio não são devidos a uma suposta ira de Deus, mas sim de uma gestão mal administrada de uma determinada propriedade, local ou região. Isso se dá principalmente com o estabelecimento de impostos abusivos e do conhecimento dos privilégios que o clero e a nobreza gozam em relação ao rei. Não obstante, havia aqueles que defendiam sua igreja e seus ritos, em sua maioria mulheres e crianças. Isto fez com que a religião adquirisse um caráter privado, onde seus cultos eram praticados em casa, com familiares ou entre amigos.
A oficialização dos casamentos passou a ser dever do estado. Antes, o que era de âmbito privado, onde só a população conterrânea e a igreja podiam “provar” que o casamento havia ocorrido, agora era registrado perante a lei pelo estado. O Surgimento de todas essas idéias liberais resultou no aparecimento do “Divórcio”, pois o casamento torna-se um contrato civil, podendo assim ser anulado. Os divórcios aconteciam em todas as classes urbanas e seu principal motivo era o abandono ou a ausência.  O Ambiente familiar tinha no pai a figura de um tirano, pois ele agia como se fosse o dono dos filhos e da mulher. A Concepção do masculino era identificada pelo espírito e a energia, ao passo que o feminino era composto pelo comportamento emocional e moral. Desta forma, a mulher se torna o símbolo da fragilidade e a “dama do lar”, sem intrometer-se na vida pública, papel este que cabia ao homem.
A desvalorização do poder Católico com a Constituição Civil do clero (bispos seriam nomeados apenas por eleições) e confisco dos bens eclesiásticos teve uma influência direta no tocante a moradia. A questão moral que reprimia os proprietários a exigir mais do proletariado dissolveu-se. Agora, os burgueses era uma classe diferenciada, superior ao proletário, e por isso era o único que podia estabelecer julgamentos morais. Estes geralmente vinham, claro, em seu próprio beneficio.
Os objetos do espaço privado tinham a marca da revolução. Camas, porcelanas, faianças, espelhos, cofres, calendários... Hunt afirma que esta “invasão dos símbolos públicos nos espaços privados foi determinante para a criação de uma tradição revolucionária”. Todavia, os símbolos privados invadiam o espaço popular: uso do “tu”, de expressões vulgares, termos coloquiais, representações da liberdade através de mulheres (jovens e mães), etc.
Finalmente, no espaço cultural, relacionado a vida privada, temos os textos do marquês de Sade. Sua obra “Ao mesmo tempo desencaminhava a liberdade, a igualdade e até mesmo a fraternidade”.

A Revolução Francesa e a Produção dos Espaços
A Formação do Estado Nacional

“Liberté, Egalité, Fraternité”

Antes da revolução não havia uma nação francesa propriamente dita. Os franceses eram súditos de um rei absolutista e não tinham um sentimento nacionalista. Este patriotismo surgiu, então, de onde? Durante o período revolucionário: na contra-revolução e nas guerras externas.
A criação da constituição tornou o homem francês detentor de direitos e obrigações perante o estado, tornando-o assim um cidadão.
A unificação da França republicana foi feita, politicamente, através de departamentos e suas subdivisões: são criadas leis comuns a todos estes departamentos e eliminadas as barreiras alfandegárias de região para região. Sistemas de medidas são instituídos pela Comissão dos Pesos e Medidas, visando a criação de um parâmetro comum. Ensina-se, obrigatoriamente, o francês nas escolas: os dialetos comuns a cada região serão cada vez menos usados em razão disso. A Importância de uma língua oficial é considerada revolucionaria, pois “suprimia a necessidade de se aprender latim”. Além disso, a língua que o povo, a nobreza, a burguesia e o clero falariam seria a mesma, sendo assim um fator de unificação. Quem não se fizesse ser entendido, estaria fora dos limites desta nação, sendo assim considerado um estrangeiro.
O Estado, quando formado, tomou conta das escolas, privando a igreja deste papel. Desta forma, influenciou as crianças a pensarem a maneira do estado (ideologia). Logo estas desenvolveram um sentimento de fraternidade com aqueles que falavam sua língua. Podemos também citar como exemplo para o patriotismo a instituição de símbolos (o galo, em referência aos gauleses (galois em francês), símbolo da vigilância e valentia e bastante presente no período revolucionário), a mulher como representação da revolução (figurando hoje no selo do estado francês), a bandeira nacional tricolor (1789) e o hino nacional (A Marselhesa, 1792). Essa intervenção do estado na maneira de pensar da população, segundo Gellner, seria “o nacionalismo que engendra as nações”, ou seja, o estado favorecendo a formação de um sentimento nacional.


Conclusão

“É muito difícil expor a concepção da vida privada dos próprios revolucionários. As memórias das grandes figuras políticas são espantosamente impessoais; são quase inteiramente dedicadas a vida publica (...) A Vida privada parece findar com a Revolução e recomeçar apenas quando se abandona a vida pública.”

Esta é uma das conclusões a qual chegou Lynn Hunt sobre os seus estudos da vida privada na Franca revolucionária. Aqueles que descreveram a revolução não envolviam (ou envolviam pouco) fatos de sua vida privada no aspecto público.
Tivemos durante e após a revolução francesa a mudança do regime absolutista monárquico para o republicano. Foram criados e instituídos símbolos presentes até hoje no cotidiano francês e que serviram, na época, para a tomada de uma consciência nacionalista. Notamos a influência da constituição francesa em boa parte das constituições mundiais: constituição essa que possibilitou a criação de um novo termo, “cidadão”, e de noções de direitos e deveres que cada um tem de se responsabilizar. O iluminismo foi o alicerce para os eventos que se seguiram a partir de 1789 na França.
Referências Bibliograficas

VOVELLE, Michel. (org.). França revolucionária (1789-1799). São Paulo: brasiliense, 1989.
GUIBERNAU, Montserrat. Nacionalismo: o estado nacional e o nacionalismo no século XIX. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.
ANDERSON, Benedict. Nação e consciência nacional. São Paulo: Ática, 1989.
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A Revolução Francesa, 1789-1989. São Paulo: Istoé-senhor, 1989.
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STEINBERGER, Margarethe Born. O Show da vida: Truman e o espaço público mal resolvido. Disponível em: <http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos/art051198a.htm>. Acesso em: 16/9/2006.

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