A sociedade burguesa oitocentista - “A cidade e suas representações – O lar e os ritos da vida burguesa”

Introdução

Este trabalho visa mostrar como eram as cidades industriais durante o período entre a revolução francesa e a primeira guerra, bem como mostrar o cotidiano privado da burguesia durante esta época.
Quanto a representação das cidades industriais, será mostrado como elas se formaram, o que influenciou nessa formação, a mão-de-obra que vinha para trabalhar nas fábricas, como elas se organizaram, os problemas gerados pelo grande número de pessoas em relação a produção das indústrias. Alem disso, será mostrada a visão da arte literária, ou seja, como ela via estas mudanças.
Os aspectos apresentados em relação a sociedade burguesa são os registros que estes usaram para guardar suas lembranças, como era o dia-a-dia, o que faziam no âmbito privado, as reuniões familiares e as recepções para os amigos, o modo de se convidar estas pessoas, o que acontecia nestas festas, as principais festas anuais (maioria de cunho religioso), o local de descanso durante as férias, o ritual do casamento (desde a escolha do noivo(a) até a cerimônia), batismo e primeira comunhão.

A cidade burguesa oitocentista
A cidade e suas representações

A formação das cidades industriais no século XVIII foi decisivamente influenciada pelas revoluções ocorridas na Inglaterra, tanto a indústria do algodão, como também as novas invenções e aperfeiçoamentos da maquinofatura (máquina a vapor, tear mecânico).
A tríade formadora desta cidade “CokeTown foram as minas, as fábricas e as ferrovias. Esses três fatores eram relacionados da seguinte forma: as minas foram exploradas para garantir carvão mineral e minério de ferro. O carvão mineral era usado nas fábricas como fonte de energia, enquanto o minério de ferro funcionava como matéria prima na construção de ferrovias, dentre outras obras.
Além destes favorecimentos ambientais, a Inglaterra dispunha de uma mão-de-obra vasta, gerada tanto pelo deslocamento da população, como pela “espantosa ascensão no índice de crescimento demográfico. Este último fato é explicado pela difusão da agricultura pelo continente, fazendo com que técnicas fossem surgindo e outras aperfeiçoadas.
Essa massa urbana que compôs o operariado industrial organizou-se em metrópoles que cresciam desordenadamente. Assim como “todos os caminhos levam a Roma”, todas as ferrovias construídas conduziam as minas. “Aonde quer que fossem os trilhos da estrada de ferro, aí também iam a mina e os seus destroços”. E para onde as matérias primas advindas das minas eram levadas? Para perto das fábricas. E onde ficavam as fábricas? No centro das grandes metrópoles. Foi a partir deste centro que as cidades começaram a desenvolver-se. Contudo, não podemos esquecer da importância da aproximação entre as fábricas e os leitos d’água. Esta força mecânica era usada para bombear as maquinas à vapor.
Esta grande improvisação promovida pelos operários para se acomodarem na cidade industrial gerou problemas de ordem ambiental, sanitário e logístico (caso da construção e ordenação das novas habitações a serem construídas). A questão ambiental estava diretamente ligada a poluição do ar, pelas fábricas, e dos rios, através do chamado lixo tóxico. Estes dois fatores afetavam diretamente a questão sanitária, seja por meio da higiene pessoal (água poluída) seja pelo risco direto a saúde (ar poluído inalado pelos pulmões, esgotos a céu aberto, fazendo com que os ratos se proliferassem). Quanto ao fator logístico, podemos citar Lewis Munford quando este diz:

“Mudanças extraordinárias de escala tiveram lugar nas massas de edifícios e nas áreas que eles cobriam: vastas estruturas eram erigidas quase da noite para o dia. Os homens construíam aceleradamente e mal tinham tempo para se arrependerem de seus erros, antes de derrubarem as estruturas originais e construís de novo, com igual descuido. Os recém-vindos, bebês ou imigrantes, não podiam esperar pelos novos bairros: acumulavam-se onde quer que houvesse espaço disponível.”

A justificativa para estes problemas de ordem sócio-ambiental baseava-se em uma projeção dos utilitaristas sobre o destino humano e pela valorização do capital especulativo pelas classes superiores. ”Em todos os bairros, os antigos princípios de educação aristocrática e cultura rural eram substituídos por uma devoção unilateral ao poder industrial e ao sucesso pecuniário, algumas vezes disfarçada de democracia.”
As cidades apresentavam formas de composição e decomposição simultâneas. “Um serviço postal universal, a locomoção rápida e a comunicação quase instantânea por meio do telegrafo e do cabo submarino”. Estes serviços apresentados significaram a sincronização das atividades das massas. Por outro lado, o conceito de decomposição (Abbau) estava ligado ao desequilíbrio ecológico causado pela ação predatória do homem.
A destruição da fauna (extinção de algumas espécies) e da flora (dizimação das florestas, degradação dos solos) estava ligada a ideologia do utilitarismo, que pregava uma não-intervenção direta na economia, pois esta seria gerida através de uma providencia divina. As conseqüências deste pensamento são descritas a seguir:

“Foi seguindo o que presumiam ser o modo da natureza que o industrial e o funcionário municipal produziram a nova espécie de cidade, um amontoado humano fundido e desnaturado, adaptado não as necessidades da vida, mas a mítica “luta pela existência”; um ambiente cuja própria deterioração testemunhava o quanto era impiedosa e intensa aquela luta. Não havia lugar para o planejamento no traçado daquelas cidades. O caos não precisava ser planejado”.

Uma outra forma de representar as cidades industriais era através da arte. Em um poema de Wordsworth de 1850, este atenua, mas não altera de modo essencial a visão de uma cidade estereotipada pelos avanços tecnológicos:
“o que a própria cidade é
Para todos, fora alguns extraviados,
Para toda a multidão de habitantes;
Um mundo indistinguível para os homens,
Escravos das mais vis aspirações,
Que vivem em meio a um perpetuo fluxo
De objetos triviais, que se confundem
Numa identidade, por diferenças
Que não têm lei, significado ou fim”

Analisando alguns trechos deste poema, podemos relacioná-los sobre o que é dito sobre a revolução.
Para toda a multidão de habitantes; / Um mundo indistinguível para os homens / Escravos das mais vis aspirações” retrata a forma pelas quais os antigos trabalhadores especializados passaram a ser apenas mais um operário industrial exercendo uma função única e repetitiva. Além disso, estes trabalhadores dispunham de péssimas condições de trabalho, não tinham direitos trabalhistas, a jornada de trabalho era extensa e o salário era baixo. Para piorar a situação destes trabalhadores, havia uma outra massa enorme de pessoas dispostas a tomar o seu lugar, pois mesmo sendo um trabalho degradante, era uma forma de sobrevivência. Mulheres e crianças, inclusive, visavam o emprego e sua situação era bem inferior a do sexo masculino. As formas de reivindicações utilizadas por estes empregados foram: a união em espécies de sindicatos, conhecidos com trade unions, para lutar por melhores condições de trabalho, o movimento Ludista, que consista na invasão e destruição das maquinas da fábrica e o Cartismo, que atuava de maneira mais politizada.
“Que vivem em meio a um perpetuo fluxo / De objetos triviais, que se confundem / Numa identidade, por diferenças / Que não têm lei, significado ou fim”. Possivelmente se refere tanto a grande corrente de pessoas que migraram do campo para a cidade e de um país para o outro (Isto está bem descrito no texto de Munford, quando este diz que “Esse movimento de pessoas, essa colonização do território, tomou duas formas: o pioneirismo da terra e o pioneirismo da indústria”), como também a enorme quantidade de produtos fabricados (objetos triviais) e o encalhe destes devido a superprodução (não tem lei, significado ou fim)

A cidade burguesa oitocentista
O lar e os ritos da vida privada burguesa

A família burguesa pode ser estudada hoje devido a grande documentação que se tem da mesma. Estes registros estão presentes, basicamente, nas artes (nos quadros que retratavam o cotidiano burguês), nos diários íntimos (no qual eram expressos as suas lembranças), nos álbuns de família (com a função de determinar a passagem do tempo, como também a de retratar, por exemplo, o modo de se vestir da época) e por cartas.
Esses registros nos dão uma idéia de como era o lado particular dessa elite: “(...) o quadro ideal da felicidade é o circulo familiar, e o meio para conquistar essa felicidade é a boa administração do tempo e do dinheiro.” Dentro desse lar, o papel gerenciador pertencia a mulher, pois ela tinha a incumbência de organizar a festividade. Um aspecto destacável era o entrelaçamento entre o “público” (convidados “de fora”, habitualmente amigos do marido) e o “privado” (a própria recepção organizada no lar). O homem voltava seus maiores esforços para a vida publica e só em alguns casos dispunha de tempo para dar atenção efetiva a família. “A vida privado é o refúgio onde os homens descansam do cansaço do trabalho e do mundo exterior”
As atividades do cotidiano, como as refeições, constituíam um encontro com a família, pois era o momento no qual todos estavam reunidos. Uma outra atividade bastante usual eram as visitas. “As ocasiões de visitas são múltiplas: visitas “digestivas” (...) visitas “de cortesia” (...) visitas de felicitações (...) de condolências, de cerimônia (...) de despedida e de retorno” Para todos estas visitas havia a necessidade de se apresentar por meio de cartões. Sem isso, era considerada uma ofensa e um incômodo. Sobre os serões, o intervalo de tempo entre a jantar e a hora de dormir, o autor nos mostra que, no caso privado, com a família, é o momento da “conversa intima”.  Quando havia pessoas extra-familiares, estimulava-se espontaneamente “grupos de instrumentistas ou cantores”, além de um teatro amador, jogos de adivinhação (charadas), entre outros.
Um outro ponto de reunião eram as festas, em sua maioria, de cunho religioso, pois mesmo não sendo cristão, o calendário o era. Dessa forma, as festividades mais importantes eram o Natal, a Páscoa, Finados, Reveillon (de origem católica) e os eventuais casamentos.
No Natal havia o costume, importado do estrangeiro, de montar um presépio e enfeitar um pinheiro. O reveillon significava, naquela época, “uma refeição extraordinária que se faz no meio da noite. Particularmente, a que se faz na noite de natal”, ou seja, não tem o mesmo sentido de hoje, de comemorar uma passagem de ano. Tempos depois, “o reveillon se generaliza como festa profana na segunda metade do século” Os presentes, “chamados indistintamente de presentes de fim de ano”, eram dados no primeiro dia do ano. As figuras de Papai Noel e do menino Jesus coexistiram, contudo a primeira sobrepujou gradualmente a segunda.
A páscoa simbolizava os elementos cristãos: a ressurreição de cristo, o dever de confessar e de comungar. Ao mesmo tempo, era a época de presentes escondidos dentro dos ovos doces e correspondia ao inicio da primavera. Por outro lado, o dia de finados representava o começo de outra estação, o inverno. Esse culto aos mortos foi instaurado na metade do século XIX e “homologado” graças a três correntes de pensamento: a positivista, que mostra o cemitério como uma continuidade do sentimento familiar e do civismo, os católicos e a ciência, que demonstra que morar perto de cemitérios não acarretava riscos para os vivos. Assim, o cemitério torna-se “um ponto de visitação” .
Uma pratica copiada da aristocracia, foi a ida para o campo durante as férias de verão. A burguesia da capital alugava casas no campo para passar a temporada, enquanto a burguesia do interior passava esta temporada em suas próprias propriedades. Os habitantes comuns da cidade passeavam pelo campo aos domingos. Por que a burguesia buscava esse lazer? “(...) instaurou-se a noção de “férias” como uma mudança necessária das atividades e do gênero de vida. O descanso e os benefícios da natureza parecem oferecer uma contrapartida ao modo de vida urbano e industrial” . Isso quer dizer que a burguesia encontrava no campo um refugio para a vida “tumultuada” na cidade. Sobre as férias, o autor diz ainda o seguinte:

“As férias são vistas como uma necessidade e reivindicadas como um direito. (...) a evolução geral da sociedade, que leva da vilegiatura aristocrática à idéia de direito ao lazer – e, indo mais longe, as férias remuneradas de1936 -, é visível na história das férias e feridos escolares.”

O que antes era considerado como “extraordinário”, tirar férias, passou a ser comum.
Um dos ritos religiosos obrigatório era o batismo. Este devia ser celebrado nos primeiros três dias após o nascimento da criança, contudo este tempo foi se alongando para que a mãe pudesse participar do ato. Neste batismo, é escolhido o nome da criança e são dados presentes ao bebê. O padrinho do primeiro filho era geralmente o avô paterno e a madrinha a avó materna. No nascimento de um segundo filho, os papeis se invertem e a o padrinho passa a ser o avô materno e a madrinha a avo paterna.
A primeira comunhão, outro rito comum, era feita geralmente aos doze anos de idade, pois seria a idade em que a criança poderia “distinguir entre o bem e o mal, entre o pão da eucaristia e o pão comum”, segundo o Concilio de Latrão, ocorrido no século XIII.
Entretanto, o mais importante dos ritos, aquele que dividia a vida entre o “antes” e o “depois”, era o casamento. Para se chegar ao casamento, são necessárias algumas etapas. A primeira delas é encontrar o cônjuge. A teia social permitia que esses encontros acontecessem em “feiras de caridade, atividades esportivas (tênis ou patinação), saraus dançantes” . Contudo, a mãe é quem avalia os dotes e compara os partidos presentes. Existiam também as “casamenteiras”, mulheres que inspiravam confiança e que por isso arranjavam encontros entre os jovens. “A linha política ou religiosa também era levada em consideração”
Encontrado a pessoal “ideal”, partia-se então para o noivado.

“O rapaz que quer casar deve transmitir sua proposta aos pais da moça por intermédio de uma pessoa amiga. Se a proposta é aceita, seus pais vão apresentar um pedido formal aos pais da senhorita. A partir daí, o pretendente e torna o noivo oficial, e é recebido como tal na casa de sua futura esposa. Em sua primeira visita, marca-se a data do jantar de noivado.”

Este noivado dura entre três semanas a, geralmente, dois meses. Quanto ao contrato de casamento, este era discutido entre as duas famílias. Os noivos deveriam parecer desatentos, de modo que não os julgassem que estavam pensando em dinheiro e não no amor. Por ocasião do contrato, realizava-se um baile. “O contrato de casamento é uma característica burguesa.” No dia desta assinatura de contrato, o noivo dá a noiva uma corbelha, ou seja, uma cesta com presentes, que mais tarde será substituída – a cesta – pelas próprias embalagens dos produtos.
Durante o período de noivado, a moça faz o seu enxoval. O enxoval feminino consiste nas roupas pessoais, de cama, mesa e banho. O masculino leva apenas as roupas pessoais. “A grande diferença entre um enxoval rico e um enxoval modesto consiste nas rendas, peles, roupas de casa e na delicadeza das peças intimas”.
O casamento era realizado tanto no plano civil quanto religioso e ambos podiam acontecer no mesmo dia. Contudo, para evitar atrasos por parte das autoridades, o casamento civil era realizado, geralmente, antes do religioso. O casamento civil é, teoricamente, gratuito, mas geralmente há uma contribuição para o prefeito distribuir no distrito. Já a cerimônia do casamento religioso é paga, tanto no caso dos católicos quanto no dos judeus.

A cerimônia de casamento é, sem duvida, o rito privado mais público. (...) Até o final do século XIX, apenas a esposa usa aliança. A aliança masculina, moda estrangeira, passa a fazer parte dos costumes na virada do século, mas sem qualquer obrigatoriedade”.

Finalmente, após todas essas etapas, chega a hora da viagem de núpcias. Essa tradição começa a partir de 1830 e consiste na ida para o campo afastado da cidade grande. O objetivo lua-de-mel era garantir a intimidade do casal, evitando a intromissão das famílias no lar.

Conclusão

Podemos concluir com este ensaio monográfico que a já pré-estabelecida burguesia, surgida na idade media, se encaixou perfeitamente com a revolução industrial, pois ela que dominava o sistema de produção. Pudemos perceber neste ensaio que a burguesia tinha também o seu lado “humano”, seus próprios rituais, a maioria destas baseadas no calendário cristão (a Igreja ainda exerce uma influência na sociedade, mesmo que não no sentido direto propriamente dito). Verificamos também o quanto eles queriam se igualar a nobreza/aristocracia, copiando até mesmos seus rituais.
Quanto a cidade, esta teve seu cenário profundamente alterado. Pudemos perceber que houve uma forte migração do campo para a cidade e a falta de um planejamento adequado fez com que esta se tornasse uma verdadeira desordem. Além disso, a vida na cidade era de continuas inovações, visto que o consumismo era uma das palavras chaves da época, fazendo com que novas modas surgissem e assim uma nova demanda de produtos para a sociedade, como sugere o texto “Harrod’s, o altar da moda”.
Bibliografia utilizada

  • MARTIN-FUGIER, Anne. Os ritos da vida privada burguesa. In: PERROT, Michelle (org.). História da Vid Privada, 4: da Revolução Francesa à Primeira Guerra. São Paulo: CIA das Letras, 1991.
  • REVOLUÇÃO Industrial. In: SUA PESQUISA. Disponível em: <http://www.suapesquisa.com/industrial>. Acesso em 16/11/2006.
  • MUNFORD, Lewis. A cidade na história: suas origens, transformações e perspectivas. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 485.
  • WILLIAMS, Raymond. O campo e a cidade na história e na literatura. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. p.212.
  • MUNFORD, Lewis. A cidade na história: suas origens, transformações e perspectivas. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998
  • CHALOT, Mônica. MARX, Roland (orgs.). Londres, 1851-1901: a era vitoriana ou o triunfo das desigualdades. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1993.

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