Análise da Magna Carta

Introdução

A Magna Carta foi um documento produzido no século XIII, em 1215, na Inglaterra. Tinha como objetivo firmar um acordo entre os Barões e a Monarquia do Rei João de modo a limitar os poderes absolutistas do monarca, instituindo leis que diminuíssem a autoridade real.  É responsável, também, por preceitos importantíssimos da defesa dos indivíduos em relação ao estado.
Vemos neste documento a busca pelos direitos civis, políticos e individuais. A Magna Carta pode ser considerada uma das bases para a divisão dos três poderes (legislativo, executivo e judiciário).
Os antecedentes da produção da Magna Carta mostram que a Inglaterra, como potência militar e econômica da época, detinha um dos soberanos mais poderosos da Europa. O Rei da Inglaterra era a lei. Contudo, no reinado de João, conhecido como “João sem-terra”, alguns fatores fizeram com que este tivesse sua credibilidade diminuída, acarretando numa oportunidade dos Barões de contestar seu poder.
Os fatores responsáveis para a decadência monárquica na Inglaterra foram: o desrespeito do Rei para com os súditos durante a sucessão do trono, ocupado anteriormente por Ricardo “Coração-de-Leão”; O fracasso na batalha de Bouvines; e, por último, um conflito com a igreja católica em relação à nomeação de um arcebispo.
Aproveitando-se da perda de prestígio do Rei, os Barões tomaram a cidade de Londres e forçaram o Rei assinar a Magna Carta. Esta tinha, naquela época, a alcunha de “Artigos dos Barões”, por ter sido produzida por estes. Ao assinar a carta, o Rei ficou submetido as leis descritas nela.
Um dos fatores da Guerra civil na Inglaterra foi, justamente, o não-cumprimento dos artigos das Carta por João. Assim que os Barões deixaram a cidade de Londres, o Rei repudiou a carta, ocasionando o conflito.
Após a morte do Rei João, seu sucessor, Henrique III, assumiu o trono e “reassinou” a Carta Magna, com algumas modificações e supressões de artigos. O documento foi posteriormente republicado com a supressão de mais artigos, 37 no total.
O Rei Eduardo I, em 1297, promoveu a Confirmatio carturum, ou seja, a confirmação do documento em sua versão curta de 37 artigos. Há tanto tempo presente no cotidiano inglês, tornou-se impossível para os próximos soberanos anulá-la.
A Magna Carta é considerada um dos principios do constitucionalismo e até hoje integra o direito inglês. Um dos fatores para ainda hoje haver a monarquia inglesa é pelo fato dela reinar sem ter um poder concreto, estando abaixo das leis promulgadas pelo parlamento.

Análise da Magna Carta

Na análise da Magna Carta original, com 66 artigos, podemos perceber que a questão social e, principalmente, a econômica estava em voga na época. A preocupação com a questão da posse da terra, com os entraves da guerra, a questão das dívidas são alguns dos fatores que permeiam o documento. O papel da Igreja também é bastante explicitado.
Primeiramente, percebe-se pelo primeiro artigo a importância da religiosidade. “Temos resolvido e prometido ante Deus” denota a questão do modo com a Igreja passará a exercer sua influência na ilha. No artigo 28, é explicitado que “Nenhum eclesiástico será condenado a pena pecuniária”. Enquanto isso, no artigo 63, vemos como a acumulação das terras pela Igreja aconteceu, mostrando que não é permitido ceder terras a uma comunidade religiosa e depois tomá-las como feudatário. Atualmente a Igreja Católica não exerce tanta influencia na Inglaterra, justamente por esta ter adotado o Anglicanismo séculos depois durante o reinado de Henrique VIII.
Percebemos também a questão da Honra e da Boa-reputação nos artigos 26 e 47, quando estes artigos referem-se respectivamente a “cuja boa reputação seja notória” e “pessoas dignas de crédito”. Comparando com o presente, percebemos a significativa diferença de confiança na sociedade. “Confiamos só em Deus; quanto aos outros, paguem a vista é um dito popular atual que reflete bem a tendência de confiar apenas nos documentos oficiais, não valorizando mais a palavra.
Outro aspecto importante que a carta nos revela é o preconceito contra o povo judeu. No artigo 12, existe “dois pesos e duas medidas” para a cobrança de uma dívida, como podemos perceber neste trecho da carta: “Se a divida for a nosso favor [ingleses] observaremos as disposições contidas nesta “Carta”. Mas caso a divida seja a favor de um Judeu, no caso do falecimento do devedor, o herdeiro não será responsável pelo pagamento do restante da divida.
No tocante ao artigo 43, percebemos a tentativa de padronizar as medidas na sociedade inglesa: “Haverá em todo o Reino Unido uma mesma medida para o vinho e a cerveja, assim como para os cereais (grãos)”. Isso demonstra a tentativa de ordenar um comercio em crescimento e evitar que uns poucos se aproveitem da maioria. Nos dias de hoje, as medições do Reino Unido e dos Estados Unidos (sua ex-colônia) são diferentes da maioria dos paises, que usam o Sistema Internacional (S.I.). Enquanto no Brasil usa-se a medida de Quilômetros, nestes paises usa-se Milhas. Quilos é o equivalente a Libras, entre outras medidas. Provavelmente isso são reflexos da Magna Carta.
O papel da Mulher nesta época era bastante inferior ao dos homens, porem o documento permitia certas liberdades a mulher, como no caso dos artigos 8 e 9, no qual referem-se a questão da herança, na qual a mulher receberá a terça parte do que foi do marido, e ao livre desejo de se casar ou não após a morte do cônjuge. Por outro lado, essa “liberdade” feminina é bastante limitada. No artigo 58, por exemplo, inferimos que a mulher não é sinônimo de confiança, já que “ninguém será encarcerado a pedido de uma mulher pela morte de um homem, a não ser que este tenha sido seu marido”. A palavra da mulher só tem significado quando é seu esposo o prejudicado.
Em relação ao matrimonio, observando pela perspectiva do sexo masculino vimos no artigo 7 que “os herdeiros contrairão matrimônio sem desproporção, isto é, conforme a sua respectiva condição e estado”. Isso mostra a dificuldade em elevar seu status social na sociedade. Ricos casavam-se entre si, perpetuando a dominação política e econômica. Contudo, antes de casar, era necessário comunicar aos parentes consangüíneos do herdeiro.
A herança de um homem livre, citada, por exemplo, nos artigos 33 e 34, era dividida entre a viúva e os filhos. Caso o homem não tivesse descendentes, os bens eram divididos entre parentes próximos e amigos sob supervisão da igreja. No caso do herdeiro varão ser menor de idade (artigos 4 e 5), será designado um administrador para suas terras. Este não pode depender diretamente do feudo.
Há certa preocupação com a questão dos rios, mencionado nos artigos 29, 30 e 41. O primeiro versa sobre a construção de pontes sobre os rios, no qual a população não deve ser obrigada a fazê-lo, exceto no caso em que esta seja sua obrigação. O segundo mostra a preocupação com o armazenamento de água (diques). O último trata mais especificamente da pesca predatória, no qual se evita o uso de redes na captura dos salmões de modo a manter uma população de peixes razoável.
Talvez o ponto principal da carta seja a questão dos direitos e atribuições do cidadão e dos organismos reais para com a sociedade, explicitado na maioria dos artigos.
A liberdade é o tema focado no segundo artigo: “também concedemos perpetuamente, em nosso nome e no de nossos sucessores, para todos os homens livres do reino de Inglaterra, todas as liberdades, cuja continuação se expressam, transmissíveis a seus descendentes.” A liberdade individual é primordial para o ser humano, considerando-se assim a Magna Carta como um dos influenciadores da constituição dos direitos humanos. Este tema, a liberdade, volta a ser citado novamente no artigo 48, no qual “ninguém poderá ser deitdo, preso ou despojado dos seus bens, costumes e liberdades, senão em virtude de julgamento de seus Pares segundo as leis do País”. Isto significa que quem vivesse do modo comum a sociedade não era afetado. Já no artigo 62, mostra-se que o abuso de autoridade é crime, pois “ficará proibido ao “sheriff” oprimir e vexar a quem quer seja”.
A preocupação em manter o feudo em um bom estado é apontada no artigo 6. Isto vale também para a “administração dos bispados, abadias, priorados, igrejas e dignidades vagas”. Tenta-se, claramente, instaurar uma ordem. E isso vai além no artigo 20, no qual é vetado totalmente “tomar dinheiro dos homens livres, a não ser que se destine ao resgate de sua pessoa, ou para armar cavaleiros a seu filho primogênito, ou constitua pecúlio para casar  uma vez a sua filha primogênita; e, mesmo nestes casos, o imposto ou auxílio terá de ser moderado.” Percebe-se a tentativa do estado de tentar cobrar proporcionalmente a renda do cidadão. Esta tentativa aparece no artigo 25, no qual cita: “a multa guardará proporção com o delito, sem que, em nenhum caso, o prive dos meios de subsistência”.  Esta lei, no caso, refere-se tanto aos homens livres como aos aldeões e vassalos (artigo 26).
Para os problemas com a justiça, deve-se procurar o “Tribunal de Queixas”, fixado em um local único, de modo a tratar dos problemas mais comuns da sociedade. Como mencionado no artigo 22, caso não haja pessoa responsável no local, será designada uma equipe ao condado no qual o problema ocorreu.
É notado na leitura do documento a divisão administrativa do reino. Conhecemos no artigo 31 os cargos de corregedor, condestável, chefe e bailio. Percebemos também os termos usados para designar um tipo de região (condado, província, etc).
A diplomacia é referida no artigo 51, no qual “os estrangeiros, mercadores que se encontrarem no Reino, ao princípio de uma guerra, serão postos em segurança”.  O Reino Unido observará como os outros países reagirão para com os seus cidadãos e da mesma maneira agirá contra os cidadãos do país em guerra. Nota-se a preocupação em deixar os civis fora do litígio. Os cavaleiros, por outro lado, se forem servir na guerra, são dispensador de guardar os castelos e praças fortes, como mencionado no artigo 37.
Liberdade comercial é o foco do artigo 50, no qual os comerciantes registrados podem transitar livremente pelo Reino, exceto em tempos de guerra ou no caso de ser um estrangeiro e o país estiver em guerra com o Reino.

Conclusão

Podemos perceber, através da leitura dos artigos da Magna Carta (um documento), um reflexo da sociedade inglesa durante o século XIII. A importância religiosa, a subjulgação da mulher, o preconceito ante aos judeus, a questão matrimonial, o papel dos Cavaleiros em relação as guerras, a tentativa do governo de fazer a população sobreviver, entre outros fatores, nos mostram como uma visão de mundo molda um documento.
A mendicância tentava ser evitada a todo custo, pois é notória a tentativa do governo inglês em preservar o seu povo, atribuindo penas que possam ser cumpridas, tentando afetar o mínimo a vida dos cidadãos.

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