Jô Soares - As Esganadas

Ninguém se importa com o sofrimento ou com a humilhação da gorda. Acham que ela é gorda porque quer.
Aparentemente Jô Soares tem uma queda por assassinos. Em "O Xangô de Baker Street", "Quem matou Getulio Vargas?" e "Assassinatos na Academia Brasileira de Letras" todas as histórias giram em torno de mortes e suas investigações posteriores.

Quem achou que em "As Esganadas" iria ser diferente, se enganou! Mas veja pelo lado positivo: em comparação com o Xangô, onde as pistas sobre o assassino são deixadas ao longo da narrativa, o assassino serial de "As Esganadas" é apresentado logo no primeiro capítulo. Se, por um lado, a história perde um pouco do mistério de encontre-o-assassino, ganha no desenvolvimento da personalidade dos personagens e na agilidade da narrativa, mostrando o jogo de gato-e-rato entre a policia e o criminoso.


Contextualizando: A história se passa no Rio de Janeiro, no ano de 1938. A cidade nesta época ainda era a capital do Brasil, um lugar efervescente, local de difusão de ideias e modas. Era também ano de época de Copa do Mundo, realizada na França, onde a seleção de futebol masculino viria a se destacar graças a Leônidas da Silva, THE BLACK DIAMOND (O Diamante Negro). No Brasil, Getúlio Vargas deu o GOLPE de estado, instaurando o Estado Novo e mantinha-se no poder mesmo sofrendo atentados comandado por seu EX-AMIGO Plínio Salgado.
- O senhor é evangélico? – pergunta o curioso Calixto.
- Não, sou agnóstico.
- Agnóstico? O que é agnóstico?
- É um ateu cagão – define Mello Noronha, à sua maneira.
O assassino da história chama-se Caronte. Igual o da mitologia grega. O barqueiro que transporta os mortos recebendo em troca uma moeda. O nome não é por acaso: seu pais eram donos de uma funerária chamada Estige, o mesmo nome do rio pelo qual o barqueiro mitológico navega. Num curioso senso de humor mórbido, talvez até pensando nos negócios, batizaram seu filho assim.
Deus nos deu dois ouvidos, dois olhos e uma boca só. Uma boca com dentes pra morder a língua.
A motivação dos seus assassinatos é sua mãe. Uma GORDA. Que não queria que o filho seguisse o mesmo caminho. Então o privava de comer. Mesmo tendo herdado o biotipo do pai, um MAGRO, sua mãe não estava nem aí. Dava de ombros mesmo. Salada todo dia. Então ele matou a mãe, mas não satisfeito, direcionou todo seu ódio as outras mulheres gordas, pois elas lembravam sua mãe. Não distinguia credo, etnia, aspecto financeiro, nada... sendo gorda, ele esganava. Detalhe: com comida!

Le déjeuner sur l'herbe (Monet). Cena semelhante ao primeiro caso.

No ENCALÇO de Caronte estão quatro personagens:

1. O ex-inspetor português, agora confeiteiro no Brasil, Tobias Esteves. Apesar de demonstrar um forte raciocínio logico (Lembra um pouco Sherlock Holmes nas suas deduções. Nem todas certas, que fique claro), as vezes demonstra ser um pouco tapado socialmente. É o que possui mais "conhecimento de mundo" da turma, deixando constantemente seus colegas sem respostas. Costuma sempre citar o principio de Ockham como forma de resolver casos difíceis.

2. Mello Noronha é o delegado responsável pelas investigações do caso d'As Esganadas. Gosta de resolver as coisas logo e não aceita enrolações. Odeia quando sua mulher, Yolanda, o convida a ir ao teatro. Acha bastante sonolento. Tem um mau humor crônico.
As pessoas evitam se aproximar dos furgões funerários, por uma associação inconsciente com a sua própria morte.
Casa de Chopin em Żelazowa Wola (Polônia). Local de nascimento de uma das esganadas.

3. O assistente de Mello Noronha chama-se Valdir Calixto. É um homem que desejava apenas uma vida como guarda de trânsito, mas acabou parando na seção de homicídios. Não é muito afeito cadáveres e morre de medo de histórias de terror. Meio ignorante, faz muitos questionamentos estapafúrdios durante a história.


4. Por fim temos a participação feminina. Trata-se da jornalista Diana de Souza. Foi correspondente na guerra civil espanhola. Obstinada, faz de tudo para ter acesso ao caso dAs Esganadas. Com o passar do tempo, e devido a sua insistência, torna-se colega da equipe, conseguindo assim vários furos de reportagem. Gosta de automobilismo e disputou uma corrida de carros no no circuito da Gavea.

Nosso ponta-esquerda sofre foul! O bandeirinha assinala mas o juiz não consigna! Para mim a Suíça deixou de ser neutra!
Curiosidade: músicas citadas no livro: As quatro estações de VivaldiPolonaise op. 53 de ChopinHeroica de ChopinSe la face ay Pale de Guillaume DufayO Anel de Nibelungo deSonata em Si Bemol de WagnerMessa da Requiem de Verdi. Os crimes a seguir também foram mencionados: Crime da Mala (1928), O caso Scheffer, além de outros que não encontrei referência. O Grand Guignol referido no livro tem sua origem em um teatro francês cujo tema principal era show de horrores.

Um dos Anões do pintor Diego Velázquez. Há um anão no livro e sua história é tragicômica.

Sobre o livro: no geral, eu gostei. O que mais me chamou atenção foram os personagens, gostei da construção deles: mesmo seguindo certos esteriótipos, eles tiveram espaço para se desenvolver, tanto o vilão como os mocinhos e a mocinha; A motivação para a matança de Caronte, complexo de Édipo, é bastante rasa, mas e daí? Não ligo para clichês; Gostei também das dezenas de piadinhas; Também lembrei muito de Dexter e Six Feet Under. Será que Jô Soares é fã de Michael C. Hall? Caronte é a junção do serial killer com  dono de funerária!; Não sei se é querendo mostrar que merece ser um IMORTAL, fazendo parte da Academia Brasileira de Letras, mas há muitas palavras na história das quais eu não conhecia (mas fui atrás depois) o significado. Acho que palavras estranhas não te tornam melhor escritor, Jô!; Por fim, um outro ponto interessante da história é o merchandising feito já naquela época pelo radialista Rodolpho d'Alencastro:
“Por mais que me esforce, como profissional dedicado, é difícil transmitir a emoção que me embarga em momentos de tamanha intensidade. Só não enrouqueço porque faço uso permanente do Xarope São João, que evita graves afecções da garganta e do peito. O Xarope São João é um remédio científico apresentado sob a forma de saboroso licor. Não ataca o estômago nem os rins e facilita a respiração, tornando-a mais ampla. O Xarope São João fortalece os brônquios e protege os pulmões da invasão de perigosos micróbios."

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