A produção musical na era digital: Uma analise da democratização das ferramentas virtuais no espaço da Internet

Monografia apresentado à disciplina Pesquisa Histórica II do curso de História da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
ORIENTADOR: Prof. Dr. Durval Muniz de Albuquerque Júnior.
RESUMO
O presente trabalho, “A produção musical na era digital: uma analise da democratização das ferramentas virtuais no espaço da Internet” tem como objetivo principal expor e analisar os fatores que possibilitaram a disseminação do conteúdo musical de bandas potiguares no mercado local e nacional a partir da perspectiva da internet e dos meios que esta dispõe para os músicos divulgarem o seu trabalho, mostrando também como se dá as relações de poder entre o público consumidor, o artista e a gravadora.
Palavras-chaves: História, Música, Internet, Indústria Fonográfica.
Introdução
O período que remonta o final da década de 1980 e os anos 1990 foi marcado por dezenas de mudanças tecnológicas: o surgimento dos celulares, laptops, CDs e DVDs, tênis com amortecedores, clonagem de animais, discussão sobre materiais biodegradáveis e reciclagem são alguns dos principais acontecimentos desta época.
Estas mudanças estão, hoje, tão arraigadas ao nosso cotidiano e parecem ser tão naturais que chegamos a nos questionar como nossos antepassados conseguiram viver sem toda esta tecnologia.  
No que concerne ao trabalho do historiador, é nosso objetivo analisar as rupturas e/ou continuidades de um determinado período a partir de um fato histórico e a relação deste com o homem. Deste modo, nesta pesquisa, trabalharemos como o advento e expansão da Internet possibilitou que artistas musicais difundissem suas músicas através da grande rede sem (e com) a participação da indústria fonográfica. Sendo assim, o objetivo principal deste artigo é analisar, e se possível mensurar, o impacto causado por essa distribuição digital para os envolvidos na equação: indústria fonográfica, artista e público consumidor.
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Nesta introdução iremos mostrar oito conceitos que serão recorrentes no decorrer da pesquisa
  1. Internet
Com o objetivo de armazenar segredos militares dos soviéticos durante o período da guerra fria, os EUA desenvolveram nos anos de 1960 o embrião do que é hoje a Internet. Contudo, a rede mundial como conhecemos hoje só foi se tornar famosa após o surgimento do protocolo WWW (World Wide Web, Rede mundial de computadores) criada pelo CERN (Conseil Européen pour la Recherche Nucléaire, Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear) nos anos 1990.
A internet é um grande local de troca de informações e conhecimentos. Os primeiros websites eram de marcas famosas (Xerox, HP), jornais, séries de TV (Stargate), entretenimento e pesquisa; As primeiras salas de bate-papo surgiram no fim da década de 1980 através do protocolo IRC (Internet Relay Chat, um protocolo de bate-papo). Com a possibilidade de comunicação instantânea, criou-se uma necessidade de compartilhar arquivos, sejam fotos, vídeos, música.
No final do século 20, no ano de 1999, foi criado um programa computacional voltado para a distribuição de arquivos (áudio principalmente): o famigerado Napster. Este software (programa) permitiu que milhões de músicas de todo o mundo fossem compartilhadas de graça entre os usuários do programa. Funcionava da seguinte maneira: o programa procurava no computador do usuário todos os formatos de áudio e criava uma “lista” para que, ao conectar-se a internet, outras pessoas tivessem acesso a esse catálogo e pudesse fazer o download. A possibilidade de descobrir algo novo não tinha precedente. Tudo era passível de ser encontrado. A palavra “raro” ou “difícil” perdeu o significado diante do imenso catalogo de músicas disponibilizadas pelos usuários.
Do acontecimento acima citado, além das músicas oficiais de um artista, tornava-se popular o compartilhamento de bootleg, ou seja, uma gravação não-autorizada, feita geralmente por fãs, de algum show ao vivo. Estas gravações podiam conter músicas inéditas, covers, entrevistas, etc.
Tendo em vista estes acontecimentos, o principal recorte temporal estudado por esta pesquisa se dá a partir do inicio do século XXI, com a disseminação dos PC's (personal computer, computador pessoal) e da banda larga no Brasil através de incentivos governamentais, até o ano de 2011.
  1. Distribuição digital
Ao utilizar a expressão distribuição digital nesta pesquisa, procuro dissociar a mesma de pirataria. A distribuição é um artista disponibilizando suas canções na internet sem custo para o consumidor, com o intuito principal de divulgação. A pirataria é o enriquecimento ilícito através da venda de conteúdo protegido por direitos autorais sem autorização do autor. Como descrito acima, podemos perceber que há uma nuance leve, mas significativa, entre poder ter acesso a algo de graça e pagar (neste caso NÃO pagar) por este acesso com finalidade de lucro. O artigo 46 da lei brasileira 9.610/98 mostra às exceções as regras do direito autoral que não constituem contravenção (uso domestico, demonstração, etc), ou seja, nas quais não é preciso pedir autorização do autor para ter acesso a sua obra. As palavras do ex-ministro da cultura Gilberto Gil em artigo chamado “Por uma reforma da lei do direito autoral” aqui serão citadas:

Nossa lei não diferencia cópia comercial de cópia privada: ao copiar um arquivo para um tocador de MP3 estamos, todos, cometendo uma ilegalidade. No Brasil, o que temos de parecido com o mecanismo legal norte-americano de “uso justo” de obras protegidas é bastante limitado. Boa parte dos estudantes brasileiros comete ilegalidade ao produzir cópias de livros para sua formação educacional.

Veremos no segundo capítulo mais informações acerca dos problemas que cercam o copyright e as alternativas sugeridas para o livre transitam da música na internet: o copyleft e a creative commons
  1. Banda de garagem
Refere-se a uma banda independente, isto é, sem subordinação econômica, formada por jovens ou adultos que utilizam espaços alternativos (ex.: garagem) para tocar sua música e que foram criadas, a principio, como um hobbie para os seus componentes. Um termo similiar a banda de garagem são as bandas de fundo de quintal (backyard band) que tocam em festas caseiras. Hoje esse termo é comumente usado de modo a depreciar uma banda, então optamos nesta pesquisa pelo uso de Banda de garagem.
  1. Indústria Cultural e Produto Cultural
O binômio Indústria Cultural e Produto Cultural se refere às produções intelectuais de uma sociedade que, a primeira vista, não são voltadas para o mercado econômico, mas acabam sendo subjugadas a óptica capitalista e resultam em mercadorias pelas “quais os consumidores eventuais estão dispostos a trocar o seu dinheiro, quer dizer, a essência do seu tempo economicamente útil”. A grosso modo o produto cultural é criado naturalmente pela sociedade e sua forma comercializável é chamada de Indústria Cultural.
  1. Mídias e Leitores
Recorrente será o uso dos termos Mídia (Formato) e Leitores; o primeiro caso refere-se a forma pela qual as músicas são armazenadas e também como geralmente o objeto é conhecido: CD, Fita K7, MP3, DVD. Os leitores são os aparelhos necessários para executar (fazer-se ouvir) a Mídia: Vitrola, MP3 Player, Minidisc, Walkman, etc.
  1. Espaços virtuais de distribuição
Os espaços virtuais de distribuição são os websites que auxiliam o músico na divulgação do seu trabalho. Temos como exemplos MySpace, Last.fm, YouTube e Orkut.
O ponto em comum entre estes sites é que os mesmos também são comunidades virtuais (redes sociais). O que isto tem de diferente em relação aos outros websites? Eles fazem parte do conceito de “Web 2.0”, ou seja, o produtor de conteúdo são os próprios usuários a partir de uma ferramenta já pré-estabelecida pelo site. Essa geração de conteúdo é feito através de discussões, comentários, avaliações, filtragens, etc. Por levar em consideração o que os usuários tem a dizer, esses sites são geralmente mais procurados para divulgação de material, pois conseguem medir a popularidade da canção (para o bem ou para o mal).
No caso de uma aceitação positiva por parte do publico, o link do website é repassado para outros usuários. Esta propagação do conteúdo é conhecida por “Meme”, termo criado por Richard Dawkins que falava sobre uma replica de comportamentos de pessoas para pessoas; Também pode ser conhecida como Hype, ou seja, o assunto do momento.
No âmbito nacional, um dos principais espaços virtuais de distribuição é o site da gravadora Trama: a Trama Virtual. Consiste na remuneração dos artistas independentes nacionais conforme o número de downloads feitos de uma mp3. Bandas como Fresno e NXZero tiveram seu material conhecido através do site da Trama.
  1. Associações musicais
No Brasil e principalmente nos EUA, existem organizações que visam proteger o interesse das empresas de mídia. Temos em território nacional a APCM (Associação Antipirataria de Cinema e Música) e no país norte-americano a RIAA (Associação da Indústria de Gravação da América) que representa 18 das maiores gravadoras dos EUA, incluindo Sony, Warner, BMG e Universal. A IFPI é a Federação Internacional da Indústria Fonográfica e representa a totalidade dos interesses da indústria fonográfica.
  1. A economia do Grátis
Em 1965, Gordon Moore, então presidente da Intel, formulou uma hipótese na qual dizia, grosseiramente citada aqui, que a velocidade dos processadores de computadores aumentaria em 100% a cada 24 (ou 18) meses e que sua parte física diminuiria de tamanho na mesma proporção. Essa idéia foi adaptada por Chris Anderson em seu livro “FREE”, mas ao invés de falar de processamento ,o autor mostra que o preço da banda larga e do armazenamento caem progressivamente, com tendência a chegar ao custo zero. A isso o autor chama “Economia do Grátis”.
Tendo como base essa referência, percebe-se que as empresas que lidam com internet gastam em torno de 50% a menos do que gastaram no ano anterior para manter o mesmo serviço. Esta realidade é ainda mais sedutora para o usuário, pois este tem a possibilidade de hospedar seus arquivos num número amplo de websites.
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Nessa nova forma de ganhar dinheiro e fazer sucesso na internet sem o auxílio das gravadoras, alguns artistas se destacaram devido à forma como implantaram seu modelo de negócios.
A banda Radiohead disponibilizou em seu site o álbum In Rainbows pelo preço de “pague o quanto quiser”; em geral foram pagos seis dolares pelo download. Após isso, quando do lançamento da mídia física (CD), verificou-se que a banda vendeu mais com os downloads digitais do que em TODOS os formatos de disco anterior; a turnê de shows após o lançamento foi a maior de todas, vendendo um milhão e duzentos mil ingressos; o CD, mesmo já tendo sido lançado previamente na internet, chegou ao primeiro lugar na lista de mais vendidos nos EUA e Reino Únido. O Radiohead se utilizou da economia do grátis: ofereceu MP3 de baixa qualidade para seu público experimentar a música e teve seu retorno com os fãs que adquiriram edições especiais de seus álbuns com alta qualidade. Esse é um modelo de negócios chamado freemium,no qual alguns clientes subsidiam aos outros.
Arctic Monkeys, hoje uma banda famosa, despontou através do site de relacionamentos MySpace. Em 2003 gravaram um CD, mas como foram produzidas poucas unidades, seus fãs digitalizaram o material e assumiram a responsabilidade de publicá-lo quando criaram um perfil no MySpace sem os donos da banda saberem. Esse hype fez com que os shows angariassem um público mais fiel, que conhecia as letras da banda e se sentia mais próximo da mesma por ajudá-la (direta e indiretamente). Em 2006, já com um contrato assinado com uma gravadora, o Arctic viu seu novo álbum (Whatever People Say I Am, That's What I'm Not) “vazar” na internet. Teria sido isso um problema? A resposta veio no dia do lançamento do CD, na qual 120.000 copias foram vendidas, copias estas que ultrapassaram a soma de todos os outros álbuns do top 20 do país naquela semana. Tornou-se o álbum mais vendido da história do Reino Únido, na primeira semana, com 360.000 copias.
No Brasil temos alguns casos de sucesso, como a banda NXZero que tornou-se a primeira independente a alcançar o primeiro lugar no extinto programa “Disk MTV” com a música “Apenas um olhar”. Isto aconteceu em parte devido ao site da Trama Virtual apostar na ferramenta “Download remunerado”, que paga as bandas inscritas pelo número de downloads que os usuários fizeram de suas músicas. O sucesso de downloads propiciou um reconhecimento maior ao grupo. No capítulo 3 desta pesquisa, abordaremos mais exemplos.
A metodologia utilizada dividirá esta pesquisa em três capítulos: em um primeiro momento analisaremos o contexto do surgimento da indústria fonográfica e as relações intrínsecas entre o público consumidor, o artista (banda) e a indústria. Usaremos imagens para ilustrar o desenvolvimento dos leitores de mídia, bem como a utilização de bibliografia especializada no tema história da música, principalmente tendo o Brasil como foco.
No capítulo posterior, além da bibliografia, será utilizado como fonte de pesquisa o uso de mídias visuais (filmes). Este segmento da pesquisa abordará o conflito de interesses entre uma nova forma de pensar os modelos econômicos vigentes versus o interesse da indústria fonográfica. Serão abordados conceitos como direitos autorais, copyleft/copyright, domínio público e cultura remix.
No último capítulo serão mostrados quais são os novos modelos de negócios surgidos após a popularização e viabilidade econômica do espaço virtual. Veremos a democratização das ferramentas de produção, ou seja, o público pode construir sua própria cultura e não mais ela será feita de maneira “forçada” pela indústria. Esta parte final do trabalho contará também com opiniões de bandas (artistas) potiguares a respeito de como a internet afetou o seu trabalho.
1. Da relação polissêmica: indústria, artista e público

Um dos objetivos fundamentais de uma banda, se não o principal deles, é ser ouvida por um grande público. Elas querem isso para transmitir sua mensagem, seja ela de cunho ideológico, social, religioso, cultural, etc. Quanto mais uma banda se fizer ouvir, mais satisfeita ela estará.
Não podemos ser hipócrita e dizer que os grupos não pensam no dinheiro, afinal como custeará o transporte, alimentação, manutenção de instrumentos? É inviável.
Seguindo essa linha de raciocínio, percebemos que, geralmente, uma “banda de garagem” não conta com capital suficiente para promover sua divulgação. Quem então fornecerá os recursos necessários para que esta possa ser veiculada nos principais meios de comunicação (TV, Rádio)? Esse papel cabe a indústria fonográfica.
A teoria organizacional de Paul Hirsch vem conceituar o tipo de indústria fonográfica ao qual estamos nos referindo nesta pesquisa: “o sistema [a indústria] seleciona o ‘material bruto’ (musical/sonoro) e organiza o ‘caos’, sendo que cada etapa não só adiciona valor, mas contribui para predeterminar o que a audiência vai ouvir (e, em última instância, demandar)”.
Observamos assim a relação entre indústria e artista. Mas onde fica o público nessa história?
É impossível afirmar que todos gostem de música, mas uma grande parcela da população consome música, seja ativamente (som de carro, ouvindo no rádio, assistindo na TV) ou passivamente (músicas de fundo em salas de espera). Essa idéia de Marcia Tosta Dias nós dá a dimensão do quanto à música está presente em nosso cotidiano.

    1. As inovações tecnológicas da Indústria Fonográfica

É certo dizer que a indústria fonográfica, no inicio do século XX, se assemelhava ao modelo Fordista (produção em massa de carros). Isto porque a mesma tomava parte de vários processos na produção musical, assemelhando-se a uma linha de montagem de automóveis, centralizada em apenas um local. Estes processos de produção eram:

Concepção do produto, preparação do artista e do repertório, gravação em estúdio, mixagem, preparação da fita máster, confecção das matrizes, personagem-fabricação, controle de qualidade, capa-embalagem, distribuição, marketing-divulgação.

Podemos dizer também que havia uma tentativa de cientificizar a música, mesmo esta sendo um produto cultural. O pensamento de Max Weber, citado por Maria Dias, nos explica que:

As idéias de Weber sobre a racionalização e o desencantamento foram construídas a partir de duas perspectivas: a societal e a epistemológica. Na primeira, pensa-se o conceito de sociedade e, particularmente, o de ação social; na segunda, elabora-se a concepção de ciência da cultura.

Pela tentativa de elaborar regras e conceitos submetidos a lógica econômica e administrativa podemos usar também o termo “Indústria Cultural” para se referir a Indústria Fonográfica.
O terceiro e último ponto que quero destacar antes de começar a contextualizar os processos de inovações tecnológicas da indústria fonográfica é o conceito de música como uma mercadoria. A indústria tenta sempre repetir uma formula de sucesso anteriormente alcançada e a partir disto cria um parâmetro de gosto musical (Exemplo: se no momento a Lambada é o ritmo da moda, então a indústria despeja no mercado dezenas de artistas deste estilo). Desta forma, a mesma investe maciçamente nessas diretrizes para causar no público uma “relação de naturalidade”. Como assim? Marcia Dias explica que os “subprodutos [da indústria] entranham-se na vida, no cotidiano do cidadão comum e do mundo que lhe são, muitas vezes, considerados como elementos “naturais” . Então, além de provocar uma relação de naturalidade, ainda torna a música um produto cultural diferenciado.
Qual a forma principal da indústria fonográfica causar essa relação de naturalidade? É o que chamamos de hit (sucesso). A repetição exaustiva de uma canção no rádio e na televisão faz com que o consumidor passe a acreditar que o que ele ouve é um sucesso (não devemos julgar se é bom ou ruim, mas sim o quanto de apelo popular a música consegue atrair). Um grande exemplo disso, no Brasil, são as músicas dos estilos Axé e Funk carioca, cujas letras possuem uma conotação erótico-afetiva e abusam do uso da coreografia como forma de manifestação corporal:

O esquematismo da produção na indústria cultural e sua subordinação ao planejamento econômico promovem a fabricação de mercadorias culturais idênticas; pequenos detalhes atuam sempre no sentido de conferi-lhes uma ilusória aura de distinção.

Exemplos não faltam, e podemos citar a banda “É o Tchan” com letras como “Pau que nasce torto nunca se endireita” e a cantora Tati Quebra Barraco com “Dako é bom! / Calma minha gente /É só a marca do fogão!”
De posse destas informações, nos perguntamos: qual foi a principal mudança tecnológica que possibilitou a indústria o seu impulsionamento no mercado e a forma como nós a vemos atualmente? Chama-se micro-sulco.
Este componente, desenvolvido em 1948, instituiu a música padrão com a duração de três minutos. Para os que não estão familiarizados, o micro-sulco é aquela ranhura característica de um disco de vinil, onde a agulha do equipamento-leitor “arranha” (literalmente ela só arranha o disco quando está gasta, pois inicialmente sua superfície é lisa, por isso deve ser trocada regularmente).
O micro-sulco não somente aumentou a qualidade do som como também sua capacidade de gravação. Se anteriormente era possível somente gravar em um dispositivo físico quatro minutos, as ranhuras aumentaram esse número para trinta, um aumento de 650%! O que isso significa? O limite de uma faixa era rompido e torna-se possível produzir e vender um álbum inteiro com dez faixas de três minutos cada; a indústria ganhava com a inovação tecnológica e com os lucros advindos das vendas dos discos de vinil.
Se o consumidor pode ouvir o seu álbum favorito em casa quando bem entender, significa que ele possui o poder da escolha. Não é necessário ficar ao lado do rádio esperando sua canção favorita tocar. O público escolhe a hora e o que gostaria de ouvir. Contudo, para ouvir, era necessário um aparelho-leitor de modo a reproduzir o formato de mídia. Neste período, do final da década de 1940, este aparelho é conhecido como toca-discos, vitrola ou radiola.
Na década de 1950 houve mudanças no tocante ao gerenciamento da carreira do artista: os processos de produção de formatos e leitores foram se dissociando, deixando o modelo fordista e centralizado de lado. A indústria dividia as etapas de produção (descentralização), incumbindo um setor de, por exemplo, produzir os aparelhos e outro produzir os formatos. Porem, como todas essas mudanças estavam relacionadas a indústria fonográfica, podemos dizer que estas aconteciam paralela e dependentemente uma da outra, ou seja, não iria se produzir um formato de mídia sem que houvesse um leitor e vice-versa.
Essa terceirização da indústria promove uma modificação no tocante ao papel desempenhado pelo setor musical: o mesmo passa a gerir o artista e o repertório, destinando mais recursos para o marketing e a publicidade.

    1. A chegada da Indústria Fonográfica no Brasil

Tendo se firmado nos principais mercados musicais (EUA e Europa) e almejando a expansão de suas atividades, o setor musical começa a se instalar em países de grande mercado consumidor.
A chegada das multinacionais (denominada por Patrice Flichy de sucursais) ao Brasil aconteceu durante o período do regime militar, no final dos anos 1960 e inícios dos 1970. Os objetivos desta entrada no país eram “criar e alimentar novos mercados, assim como evitar certos controles aduaneiros e reduzir custos de produção” , em suma: obter mais lucros, já que o processo de exportação era mais custoso e submetido a tarifas alfandegárias.
Nossa nação estava em um período chamado de “modernização conservadora”, na qual os militares promoviam o investimento em diversos setores, dentre os quais a telecomunicação. Isso foi salutar para que a indústria fonográfica desse um enorme salto já em sua chegada, pois estava sendo produzida uma estrutura midiática de proporções continentais. Se o rádio e a TV conseguiam alcançar todo o território nacional, então o investimento no mercado brasileiro prometia ser promissor.
Vale salientar que o período anterior as multinacionais era marcado pela predominância da música que tocava nas rádios. A chegada destas foi concomitante ao processo de popularização do aparelho televisivo. A televisão passava a receber cada vez mais investimentos publicitários em comparação ao rádio, que perdia sua receita. Aliado a isso, foram criados cursos para capacitar profissionais para trabalhar na nova mídia, possibilitando assim uma base firme para o aporte dos investimentos estrangeiros.
Em um primeiro momento as sucursais chegaram impondo seus parâmetros musicais estrangeiros. Porem não se pode afirmar que houve um total imperialismo cultural, tendo em vista que mesmo enchendo o mercado nacional de artistas estrangeiros, estimularam também a produção nacional musical, contratando artistas locais sob o selo de sua gravadora (EMI, Warner, Sony, BMG, etc) e promovendo festivais de música (caso dos Grandes Festivais) em parceria com canais televisivos (TV Excelsior, TV Record, TV Rio).
Este dualismo entre os artistas nacionais e estrangeiros é necessário, segundo Renato Ortiz, para que o setor fonográfico prosperasse. O mesmo afirma que este processo de mundialização da cultura é “expressão do universo simbólico e cultural próprio da era da globalização econômica e social”.
O que essa globalização do “gosto musical” significa? Por a música tem esse poder de romper barreiras, desterritorializando os espaços, queremos dizer que há uma tentativa de configurar uma sociedade universal baseada em gostos comuns e tendo o inglês como idioma-chave desta transformação. É uma tentativa de homogeneizar uma cultura musical a todos os povos.

    1. As ferramentas de produção caem nas mãos do público consumidor

Se já é possível comprar um álbum do seu artista favorito, com a introdução da Fita K7 (compact cassette) no mercado internacional no ano de 1963 pela empresa holandesa Philips, torna-se possível gravar as músicas no âmbito doméstico! Claro que para isso era necessário o equipamento adequado, mas as possibilidades se tornam imensas para os consumidores. Devido as limitações tecnológicas da época, esse tipo de copia não afetou significativamente a indústria, mas podemos concluir que esta é uma das origens do mal que o setor fonográfico combate hoje: a pirataria.
Vendo pela óptica de uma banda de garagem da época, é uma ótima forma de divulgar o seu trabalho com custos menores (gastar-se-ia apenas na gravadora responsável por armazenar e disponibilizar uma fita máster) para um amplo público, sem necessidade de se veicular a uma empresa contratualmente.
O público também contribui para a difusão do artista através da propaganda boca-a-boca: se alguém gosta de uma determinada banda, basta copiar o conteúdo para uma fita K7 e dá-la a outrem. Isto vale tanto para as bandas mais conhecidas como para as obscuras. Também foi comum, nessa época, devido as limitações econômicas, grupos de amigos se reunirem para ouvir música, haja vista que não eram todos que possuíam um aparelho de som.
Esse fenômeno da propagação de opiniões, porem, era muito restrito ao circulo musical do qual as pessoas faziam parte devido a não haver uma plataforma que organizasse e desse voz a essas opiniões. Veremos com mais clareza no Capítulo 3, como a internet possibilitou que esse circulo se ampliasse e que as opiniões coletivas se tornassem um referencial a que deseja informações.

    1. As mudanças nos leitores e conteúdo

O inicio dos anos 1970 trouxe a consolidação do formato LP no Brasil (Long Play, longa duração) para substituir os compactos simples e duplos. Em um período de seis anos as vendagens duplicaram e este formato tornou-se padrão, deixando o antigo obsoleto, como podemos ver no gráfico a seguir:

Venda de compactos simples e duplos: Brasil – 1969-1989 (milhões de unidades)

Ano
Compactos (simples e duplos)
LP
1969
11.067
6.588
1975
13.213
16.995
1979
17.372
38.252
1981
11.360
28.170
1985
4.208
32.578
1989
897
56.724

Neste período, a indústria fonográfica passa por transformações e a figura do artista entra em destaque em detrimento ao do interprete musical. O músico se torna tão ou mais importante que o álbum por ele produzido, pois é a figura pública que vai gerar empatia com o consumidor. O que quero dizer com isso é que o público vai atrás de conteúdo do artista pelo que ele representa e não propriamente pelo seu material musical inédito.
Um exemplo dessa tentativa de caracterização do músico é Chico Buarque. Conforme Enor Paiano cita, a indústria tentou forjar a imagem do mesmo como um mártir durante o regime militar. Esse artista teve de viver fora do Brasil devido ao governo considerar suas músicas subversivas. A imagem de oprimido e contra o sistema possibilitava uma geração de empatia com o consumidor. Essa valorização da imagem do artista esteve presente também durante a Era do Rádio no Brasil (1940-1950), com cantores como Cauby Peixoto, Emilinha Borba, mas a principal diferença em relação aos anos 1970 com Chico Buarque é a de que a televisão tornou-se proeminente por trazer além do som, a imagem.
Nos anos 1990 o CD (compact disk) começa a popularizar, batendo de frente com o vinil. Para seu uso era necessário deixar de lado a vitrola, que lia os micro-sulcos através da agulha, e adquirir um aparelho com leitor óptico de modo a reproduzir seu conteúdo. Os primeiros equipamentos de CD apelavam para convergência, possibilitando ao consumidor a oportunidade de ouvir fitas K7 e discos de vinil em um mesmo aparelho.

Aparelho tocador de múltiplos formatos

Se o K7 tinha o walkman, o CD tinha o mini-disc. Qual era a função desses aparelhos? Proporcionar ao consumidor a possibilidade de apreciar seus artistas favoritos fora do âmbito domiciliar, ou seja, em qualquer lugar e fazendo qualquer atividade sem incomodar os outros que estão em volta com o som alto. Além do poder da escolha, tem-se o direito a privacidade. Pode-se viajar de ônibus escutando músicas em seu mini-disc!

Walkman, discman e iPod (mp3player)

Obviamente havia problemas estruturais quando se terminava de ouvir um álbum: onde guardar mais CDs? Como evitar o roubo de seu aparelho nada discreto? E se as pilhas acabassem enquanto estivesse ouvindo? Pensando nestes aspectos, a indústria buscava um aparelho que combinasse leveza, grande capacidade de armazenamento, pequeno tamanho, fácil manuseio e que proporcionasse uma carga de energia de longa duração.
Como dito anteriormente, a inovação tecnológica entre hardware e software acontecia paralelamente. Se a indústria fazia os questionamentos citados no parágrafo anterior e vislumbrava soluções era porque um novo formato já havia surgido: o MP3.
O MP3 é o principal formato de áudio utilizado nos computadores pessoais. A popularização deste se deu no início do século XXI através de uma ferramenta chamada Internet.
Com um PC (personal computer, computador pessoal) e um software adequado, era possível transformar um CD de áudio em faixas de formato MP3 e a partir daí compartilhar músicas através de programas P2P (peer-to-peer, ponto-a-ponto). Esse partilha era de fato catalisada através de softwares que tinham como função procurar as MP3s disponíveis na internet. O mais famoso de todos estes programas P2P foi o Napster, criado em 1999, mas tivemos também outros programas que vieram na mesma tocada, como o KaZaA, AudioGalaxy, eMule, entre outros. O funcionamento básico deles consista em, no momento que o usuário instala-o, o software buscaria as músicas em formato MP3 no PC e disponibilizá-las-ia a quem estivesse conectado ao programa naquele instante (cabe lembrar que posteriormente não eram apenas arquivos de áudio compartilhado por usuários nesses programas, mas também filmes, shows, manuais, partituras, etc). A grande rede tornou possível compartilhar músicas de diversos gêneros com desconhecidos ao redor do mundo. Estava sendo criada a maior biblioteca musical da história humana.
Tendo contextualizado o MP3, nada mais natural do que criar um aparelho físico/portátil que pudesse reproduzir seu formato. Surgem assim os primeiros MP3 players no ano de 1998 e o principal deles foi o iPod produzido pela Apple (2001).

    1. A indústria fonográfica no Brasil atual

Controlada por apenas cinco empresas em escala global (Sony Music, EMI/Odeon, Polygram, WEA, BMG/Ariola), a indústria fonográfica no Brasil é bastante forte no mercado interno, ou seja, as vendas de músicas nacionais representam mais de 70% do total comercializado.
Todavia, o habito da população brasileira de comprar CDs originais tem decaído devido aos preços altos praticados pela Indústria. A pesquisa feita por The Social Science Research Council mostra que o impacto social e moral torna-se irrisório em relação ao econômico. O instituto diz, também, que o preço que um Brasileiro paga por DVD pirata, por exemplo, tem o mesmo valor de um produto original nos EUA. E é assim que essa situação agrava-se mais para a indústria, porque as pessoas vão atrás de alternativas economicamente viáveis para ouvir seu artista, os CDs piratas.
Os CDs piratas respondem por 60% das vendas no Brasil segundo as gravadoras. A policia federal, em uma de suas investigações, conseguiu apreender cerca de 70.000 CDs e DVDs.
A mudança de mentalidade na população em relação à gratuidade da música (“se é possível achar de graça, por que pagar?”) talvez tenha mudado a forma de se ver um CD. Este passa a se tornar um item descartável, de curta duração e que não merece um investimento maior. Seu prazo de validade dura até o próximo grande hit estourar na mídia. Nessa linha de raciocínio, faz todo sentido, apesar de ser contra lei, adquirir um CD pirata para tocar durante algum fim-de-semana na casa de praia dos amigos e deixá-lo por lá mesmo, afinal o mesmo é “descartável”.
Esse comportamento dos jovens é ressaltado em uma citação do DJ americano Girl Talk (pseudônimo de Gregg Gillis) no documentário Good Copy, Bad Copy:

Eu adoro ir a uma loja de discos e comprar um CD. Foi isso o que fiz quando comprei o primeiro disco que amei, Nevermind, do Nirvana. Fui à loja de discos com meus pais, procurei ele, li o encarte, ouvi o álbum. Essa foi uma experiência incrível. E muitos jovens não têm mais essa experiência enquanto estão crescendo. Eles não têm esse sentimento de nostalgia ao consumir música.

Segundo pesquisa do Instituto Akatu, outros fatores que despontam como motivadores da compra de produtos piratas em geral são:

[...] o melhor custo benefício - já que os preços são mais baixos - a desconfiança sobre a destinação dos impostos pagos em caso de produtos originais, a opinião de que artistas e fabricantes já são ricos demais e não são prejudicados pela venda de CD's e DVD's piratas, além da intenção de ajudar o camelô que vende os produtos.

Por outro lado, o número de pessoas que adquirem a mídia física ainda é bastante relevante. Estas compram o material original mesmo tendo as MP3 em seu computador! Isso acontece devido a alguns motivos como:

a) Fetiche de ter o CD do artista favorito em sua coleção;
b) Encarte e letras que só vem no CD original;
c) Valorizar e reconhecer o trabalho do artista;
d) Ignorância/desconhecimento em relação as vendas de MP3 online (prefere ter o meio físico).
e) Tornar o ato de ouvir música uma experiência a ser apreciada e não um plano de fundo para o que estiver fazendo

Para tentar combater a pirataria, a indústria reage de diversas maneiras. As mais corriqueiras são:

  1. Equiparando o consumidor de CDs piratas a um financiador do crime organizado através de propagandas (propagandas estas que renderam até sátiras). Esta tática é utilizada de modo a mexer com as emoções do consumidor, que veria seu ato como anti-ético;
  2. Diminuindo o preço dos CDs;
  3. Inserindo brindes/promovendo edições “limitadas” (especiais) de um album;
  4. Estimulando o legitimo comércio online.
  5. Investe no marketing de modo a gerar simpatia do público com a sua marca e conseqüentemente alavancar a carreira de outros artistas.

Mas será que esses compradores de CDs piratas representam os consumidores de CDs originais insatisfeitos ou é apenas um novo nicho da população que deseja ter acesso as músicas? Segundo reportagem da revista Exame

Quem pirateia não pagaria necessariamente o preço oficial cobrado pelos mesmos bits no mercado. Por isso, qualquer estimativa de receitas perdidas para a pirataria digital não passa de fantasia da indústria. O mercado consumidor de bens digitais tem o tamanho que tem, não o tamanho que os fabricantes imaginam que teria

Veremos com mais detalhes, no próximo capítulo, como se deu o embate da indústria fonográfica contra a distribuição digital através da questão dos direitos autorais e quais são as entidades que defendem os interesses das gravadoras.


  1. Conflito de interesses: o antigo Copyright contra o novo Copyleft

O inicio dos anos 1990 trazia como indicador de sucesso o número de álbuns vendidos por determinado artista. A indústria expressava esses indicadores através de certificados que reconheciam o número de vendagens: o disco de ouro era entregue aquele artista que ultrapassasse a marca das 100.000 copias vendidas; platina correspondia a 250.000 álbuns; por fim, diamante, mais de 1.000.000 de CDs. Para se ter uma idéia da vertiginosa queda de vendas, hoje esses indicadores correspondem às seguintes vendagens, respectivamente: 50.000, 150.000 e 250.000. As possíveis causas dessa queda podem ser explicadas por alguns motivos aos quais destacarei e comentarei a seguir.
O primeiro pensamento é relacionar esta queda à venda de CDs piratas Com toda a tecnologia necessária para a reprodução em série, os considerados criminosos se aproveitam da facilidade que a internet oferece com seu grande cardápio musical e do barateamento das mídias de gravação para despejar no comércio informal milhões de CDs de qualidade quase equivalente aos originais. O consumidor paga por um produto absurdamente mais barato (R$5,00 em relação a um CD original que custa, em média, R$25,00 na data do lançamento) e dá inicio a um ciclo vicioso.
Outra hipótese, que não exclui a anterior, mas está em sintonia com a mesma, é a de que ao adquirir um MP3 player, o consumidor, de forma legal ou não, baixa suas músicas pela internet e não acha mais necessário adquirir um CD. Um dispositivo musical de 1 gigabyte tem a capacidade de armazenar, pelo menos, 10 albuns com qualidade semelhante a de um CD. Podemos levar ainda em consideração o fato de não ocupar tanto espaço no domicilio em relação a uma estante lotada de CDS, além da praticidade de poder organizar seus artistas conforme seus gostos (ordem alfabética, gênero musical, ano de lançamento do álbum,etc).
O surgimento do formato de DVD pode ser incluído no rol de motivos da queda da venda de CDs, haja vista que é possível ter em vídeo o show de um artista ao mesmo tempo em que, óbvio, tem-se acesso as suas canções.
Não menos importante é o caso de substituição da venda física pela venda online. Lojas possibilitando que se compre apenas uma faixa ou um álbum inteiro são mais vantajosas para o usuário que poderá fazer sua própria seleção de música do modo que lhe convir. Percebemos nesta situação que a indústria começa a modificar sua mentalidade, ao perceber que o importante não é associar a venda de música ao plástico, ou seja, a um CD com capa, encarte, etc, mas sim vender a sua música da forma que o consumidor optar.
A própria indústria, por perceber essas mudanças, produz menos CDs de modo a não ter seus estoques encalhados. Uma menor produção gera uma quantidade menor sendo vendida.
Por fim, uma mudança de mentalidade também pode servir como explicação para esta queda: para que pagar se é possível conseguir de graça?
Edgar Bronfman, presidente do conselho da Warner Music definiu bem, em 2007, o panorama atual da situação: “A indústria da música está crescendo. A indústria das gravadoras NÃO está crescendo”. Restou a indústria dois caminhos: lutar para manter o que tem através de ações judiciais ou inovar o modelo econômico, chamado de “Modelo 360”, representando todos os aspectos da carreira do artista (shows, licenciamento, artigos promocionais, etc).

2.1. IFPI, RIAA e APCM: As organizações que protegem a indústria

Se o músico não tem vinculo com nenhuma gravadora, tudo bem; caso contrário, a briga está armada. Isso porque a distribuição digital de arquivos – MP3 – protegidos por direitos autorais tem nome: pirataria. A indústria fonográfica não quer perder (ou deixar de ganhar, dependendo do ponto de vista) dinheiro: processa usuários e softwares P2P que se propagam como vírus.
Em 2004, o DJ Danger Mouse produziu um álbum chamado “The Grey Album”. As músicas consistiam em juntar os vocais do cantor Jay-Z do álbum “The Black Album” com o instrumental presente no “The White Album” dos Beatles através de um equipamento chamado Sampler. Este aparelho permite juntar vários sons e produzir algo diferente. Foi o que Danger Mouse fez. A idéia do álbum era misturar elementos da música que eram associados a pessoas negras e brancas. Só que havia um problema: o DJ não possuía direitos sobre os trechos sonoros de ambos os artistas e os advogados dos Beatles entraram na briga. Siva Vaidhyanathan, professor de Estudos de Mídia e Direito da Universidade da Virginia, diz, em entrevista ao documentário Good Copy, bad copy que se o álbum tivesse sido vendido teria sido um sucesso, porem não foi o caso. As únicas pessoas que possivelmente lucraram com o The Grey Album foram os advogados dos Beatles.
Utilizo esse exemplo para mostrar que a questão dos direitos autorais não envolve somente o download de música na internet, mas é uma questão mais ampla e que deve ser analisada com cautela: a utilização de qualquer trecho de uma obra protegida por direitos autorais é passível de cadeia (principalmente se o usuário reside nos Estados Unidos). Veremos mais adiante quão grande é a influência da indústria sobre o governo americano.
Quem são as entidades responsáveis pelo combate a pirataria? RIAA (Associação da Indústria de Gravação da América) e APCM (Associação Antipirataria de Cinema e Música) desempenham esse papel em seus respectivos países (EUA e Brasil).  Apoiados pelas multinacionais buscam coibir a distribuição de músicas ilegais na rede e no mercado físico (CDs piratas) justificando que este comportamento afeta o lucro do artista no tocante a vendagem de CDs. Entretanto, segundo Mike Portnoy, integrante da banda americana Dream Theater, “Pessoas que compartilham arquivos e baixam as coisas de qualquer lugar, eles não estão tirando dinheiro dos nossos bolsos; eles estão apenas tirando dinheiro da gravadora", ou seja, as gravadoras estão de fato brigando pelo seu quinhão no montante e não diretamente pelo dos seus contratados. Portnoy ressalta que existem casos em que uma banda não gosta que aconteça a distribuição das músicas de sua banda no seguinte caso: “Sou muito zeloso em relação a um novo álbum, e eu fico realmente chateado se algo vaza antes da hora”.
Capitaneada pela IFPI (International Federation of the Phonographic Industry, Federação Internacional da Indústria Fonográfica), foram abertos mais de 8000 processos contra usuários no ano de 2006, sendo 20 desses contra brasileiros. Essas ações são de ordem civil e criminal e buscam coibir através do medo de serem processados outros usuários que utilizam softwares para compartilhamento.
Vale salientar, neste parágrafo, que apenas seis empresas (Disney, Time Warner, Viacom, Newscorp, BMG e General Eletric) detém mais de 90% do mercado de mídia americano e que isso inclui não apenas filmes e músicas, mas também desenhos animados, seriados, revistas em quadrinho, editoras de livros... A lista é imensa. Em suma, devemos lembrar que boa parte da nossa cultura de entretenimento vem de um pequeno grupo de multinacionais e que elas visam preservar o modelo que as enriqueceu.
Contudo, seria mesmo possível fiscalizar todas as infrações referentes ao direito autoral? Dan Glickman, presidente da MPAA (Associação dos Estudios de Cinema dos EUA) admite que é impossível impedir a pirataria. Suas palavras no documentário Good Copy, Bad Copy são as seguintes:

As perdas para nossas empresas chegam a 6 bilhões de dólares por ano. Nós reconhecemos que nunca vamos parar a pirataria. Nunca. Nós apenas tentamos torná-la o mais difícil e tediosa possível. E fazer com que as pessoas saibam que haverá conseqüências se forem pegas.

Não há evidencias de que os consumidores não querem pagar para ouvir os seus artistas, mas há muitas evidencias de que os consumidores não se sentem felizes em pagar as companhias, principalmente pela forma pelas quais vem sendo tratados.
Pesquisas com usuários que baixam músicas na internet, ao serem questionados se isso era contra a lei, alegaram que o download não se constitui um crime porque não há um roubo de propriedade, mas sim uma copia da mesma, seja no âmbito físico ou virtual. O raciocínio destas pessoas é que há uma diferença entre estes ambientes é que no físico, a qualidade se perde com a mídia de baixa qualidade; o virtual, por outro lado, não conta com esse entrave, tendo sua qualidade idêntica ao original.

2.2. Direitos autorais

É aí que entra a questão dos direitos autorais. A reprodução total ou parcial de uma obra sem autorização do autor é atualmente considerada, pela lei brasileira, crime. Suas punições estão destacadas na lei 9610 de fevereiro de 1998 (capítulo 2 – sanções civis).
Podemos traçar um paralelo com os livros, onde uma editora não pode publicar um livro pertencente a outra editora. Porem a copia de uma obra (parcial ou total) é uma prática bastante comum nas universidades brasileiras através das fotocopias (Xerox), tendo em vista que seria dispendioso demais para os alunos adquirirem todos os exemplares de uma bibliografia sugerida pelo professor. Todavia, este assunto permanece sendo negligenciado, enquanto no caso da música não, em grande parte devido a representatividade e força dos interesses econômicos da indústria fonográfica.
Vamos voltar um pouco no tempo para descobrir o que levou a existência dos direitos autorais.
A prensa criada por Gutemberg em 1439 serviu para a produção de livros e, posteriormente, jornais. Este novo maquinário foi adaptado das prensas vinícolas da época (Gutemberg vivia em uma região conhecida pela produção de vinhos, o vale do Reno).
Naquele tempo não havia direitos autorais, as produções eram de domínio público. Gutemberg teve sua idéia a partir de algo já criado e com isso produziu um novo aparelho que revolucionou o mundo. As idéias agora estavam se espalhando pelo mundo em forma de livros! Mas como era possível ter lucro tendo idéias, sendo criativo? Como impedir que outros copiassem produtos que seriam considerados, para a época, de vanguarda?
“Os direitos autorais são necessários como um incentivo para que as pessoas criem” disse o presidente da IFPI, John Kennedy em 2007. Essa justificativa é bastante coerente e condiz com uma norma publicada quase 300 anos antes, em 1710, na Inglaterra, conhecida como Estatuto da Rainha Ana. Esta lei foi pioneira no sentido de reconhecer o autor e dar direito de propriedade sobre suas obras. Em suma, foi a origem do que conhecemos como Copyright. O estatuto pode ser descrito da seguinte maneira:

Garantir aos autores o controle sobre a impressão de seus trabalhos com objetivo de permiti-los alcançar uma condição econômica favorável à elaboração de novos trabalhos. Apenas os livros novos estavam sujeitos à lei. Os antigos passaram a ser de domínio público, podendo ser impressos por qualquer firma. Os direitos autorais duravam 14 anos podendo ser renovados por mais 14 anos se o autor permanecesse vivo.

Percebe-se que a lei buscava conseguir um equilíbrio entre os direitos do autor e os direitos do público. Sendo assim, após um determinado prazo, o necessário para que o autor do produto conseguisse sua estabilidade econômica, as pessoas podiam utilizar-se do que foi produzido de modo a aperfeiçoá-lo. Um exemplo bem marcante é como a prensa evoluiu para nossas impressoras: a bíblia, primeiro livro produzido na prensa, demorou cinco anos para ser impresso; hoje não levaria mais que alguns minutos em uma impressora moderna.
Os países participantes da Convenção de Berna, em 1886, realizada na Suíça, assinaram um acordo internacional que dita as regras do copyright de modo geral. No Brasil, uma lei especifica sobre o assunto de número (Lei nº 9.610) somente veio a ser criada no ano de 1998. Segundo nossa legislação, o espaço de tempo para uma obra cair em domínio público, isto é, ser usada sem infringir direitos autorais é de setenta anos.
Dito isto, entramos num novo campo, o campo das idéias. É neste espaço que, quase 600 anos depois do Estatuto da Rainha Ana, foi criado uma ONG chamada Creative Commons. Apesar de, a primeira vista, ela parecer contra o direito autoral, na verdade a mesma é a favor do livre uso das idéias.

2.3. Copyleft, Creative Commons e o Domínio Público

O depoimento a seguir, colhido no documentário Good Copy, Bad Copy mostra a idéia central de Lawrence Lessig, um dos fundadores da Creative Commons:

Eu escrevo livros para viver. Sei que quando meus livros são usados em uma universidade, os alunos pegam minhas palavras e as usam de várias maneiras. Mas eu não quero processá-los e dizer: Parem de usar meu trabalho. Nós entendemos que quando se trata de um texto, os direitos autorais te protegem de alguém que queira competir vendendo o livro original. Mas deve ser permitido usá-lo e reusá-lo da maneira que se deseje. Essa mesma regra deve ser aplicada a filmes, música e imagens.

Talvez o leitor já tenha ouvido falar dessa ONG através do ex-ministro da cultura Gilberto Gil. Mas o que ela faz exatamente? Fundada em 2001, a Creative Commons tem como objetivo introduzir um novo modelo de direitos autorais no qual usar-se-á o direito privado para criar bens públicos, ou seja, flexibilizar as leis de Copyright que andam cada vez mais restritivas.
“Trabalho com o governo e estamos usando computadores com Linux porque o Windows precisa pagar a licença de uso. É disso que estamos falando?” Não exatamente. O uso de computadores com software Linux em repartições públicas se dá através de uma licença GPL (Licença Publica Geral), na qual permite ao usuário, de graça, modificar o software ao modo que lhe agrade. Essa licença existe desde 1989 é voltada somente para os softwares, tendo sido criada pela Free Software Foundation.
A Creative Commons se inspirou na licença GPL. Seu trabalho consiste em criar licenças fora do campo de software propriamente ditos, e sim para websites, bolsa de estudos, música, cinema, fotografia, literatura, cursos, etc. Em sua página oficial, há o seguinte excerto: “Our aim is not only to increase the sum of raw source material online, but also to make access to that material cheaper and easier” que tem o sentido de Nosso objetivo não é aumentar a soma de materias-prima, mas também tornar o acesso ao material de maneira mais barata e fácil.”
Qual a utilidade prática disso? Imagine que um usuário comum possui um site na internet e deseja ilustrá-lo com alguma imagem. Ele se dirige ao diretório de imagens do Google mais próximo, pesquisa a palavra-chave da imagem que deseja e encontra-a. Alguém criou essa imagem e a partir deste momento esta obra já é protegida pelo direito autoral. Ter-se-ia que, teoricamente, para evitar complicações legais, pedir autorização ao autor. Imagine o quão burocrático seria esse processo se fosse repetido toda vez que o usuário precisasse ilustrar algo!
Todavia, há pessoas que não se importam com o fato de usarem seu trabalho para criarem outra coisa, desde que seja citada a fonte. É para isso que a Creative Commons existe, para criar essas licenças.
No caso da música, há artistas que permitem o uso de sua canção para remix (dar um novo arranjo a música) ou samplers (usar determinados trechos em outras obras). No Brasil, além do próprio ex-ministro da cultura, as bandas Mombojó,Gerador Zero, DJ Dolores, Projeto Axial.
O jornalista Claudio Dirani, afirma que a indústria da música independente está, cada vez mais, solapando a grande indústria fonográfica em relação ao número de álbuns lançados por artistas. Vemos isso no fragmento de texto intitulado “Independence day - Creative Commons dá passe livre a músicos e provedores de conteúdo digital”:

Apenas 48 novos artistas brasileiros lançaram álbuns no primeiro semestre de 2004. Este número resume-se aos nomes contratados pelas quatro maiores gravadoras do país (e do mundo): Sony-BMG, EMI, Universal e WEA. Já as independentes, mais modestas e menos burocráticas, lançaram no mercado 273 – quase 6 vezes mais que as superpotências. Sinal vermelho para a indústria, que amarga permanente queda livre, vítima principalmente da pirataria.

Quanto ao termo Copyleft, é um jogo de palavras com Copyright. O “right” (em português, direito) se opõe ao “left” (esquerdo), então enquanto um impede de copiar, o outro permite copiar livremente. Há inclusive a expressão all rights reversed (todos os direitos revertidos) como slogan do Copyleft em contraposto ao all rights reserved (todos os direitos protegidos) do Copyright.
O Copyleft abrange todas as licenças que permitem sua modificação. A licença GNU e a Creative Commons são exemplos de Copyleft.
E onde o Domínio Público entra nessa história? Diferente do Copyleft e do Copyright, o Domínio Público não tem nenhuma restrição quanto ao uso. Ou seja, o usuário comum pode utilizar um material de outrem, criar um novo produto e não compartilhar livremente o mesmo. Exemplo disso é a própria idéia do Copyleft: Richard Stallman, o fundador do Free Software Fundation (FSF), elaborou na década de 1980 um programa e cedeu a uma empresa de computação chamada Symbolics através da licença de domínio público. Essa empresa promoveu melhorias no sistema e quando Stallman pediu para dar uma olhadinha no código para saber como as modificações foram implementadas, a Symbolics disse não. Revoltado, o programador elaborou o projeto GNU para os softwares, ou seja, uma mescla entre Domínio Público e o Copyright. O sistema de Copyleft trouxe um equilíbrio entre as duas leis.

2.4. A Cultura Remix

O termo Cultura Remix remete a sociedade que permite e encoraja o uso de trabalhos alheios para produzir novas formas de cultura. O termo foi popularizado por Lawrence Lessig, o criador da Creative Commons, em seu livro Remix (2008).
Utilizando idéias contidas neste livro, o documentário “RIP! A Remix Manifesto” aborda as questões legais referentes ao uso da propriedade alheia. Como o próprio título diz trata-se de um manifesto, o que significa que é uma declaração pública de intenções com o objetivo de alertar sobre um determinado problema. Segundos seus idealizadores, os princípios do manifesto são:

1) A cultura sempre se baseia no passado;
2) O passado sempre tenta controlar o futuro;
3) Nosso futuro está se tornando menos livre;
4) Para construir sociedades livres, precisamos limitar o controle do passado.
A The Walt Disney Company, empresa, que controla vários ramos da comunicação, construiu seu império preenchendo todos os requisitos do manifesto.
Em relação ao primeiro ponto, foi demonstrado que o seu criador, Walt Disney, conseguiu muito bem adaptar a cultura do passado para sua época. Observe as imagens a seguir:
Esses oito exemplos (Alice no País das Maravilhas, Cinderela, Branca de Neve, Pinoquio, Fantasia, Invenções Modernas, The Pet Store e Steamboat Willie) são mostrados lado-a-lado com suas inspirações originais. Walt Disney conseguiu trazer histórias antigas para sua época e, ao adicionar novos elementos, como a animação, as cores, a sonoplastia e a voz, tornou-as relevantes. Não podemos dizer que isso é um remix, pois isso implicaria um anacronismo, mas podemos traçar um paralelo entre o que Walt Disney fez e o que os DJs de música eletrônica fazem hoje ao utilizar sons de outros músicos para criar novas canções.
O segundo e terceiro argumento do manifesto são intrínsecos. Uma obra cai em Domínio Público após um determinado número de anos.

Em 1928, quando Mickey foi lançado no mercado, a lei norte-americana do direito autoral previa que as obras protegidas cairiam em domínio público 56 anos após o registro de sua criação. A proteção de sua propriedade, portanto, deveria ter caído em 1984, mas, por força da reforma da lei Copyright Term Extension Act, também conhecida como Mickey Mouse Protection Act, por ter sido aprovada no ano (1998) em que, pela lei anterior, o personagem cairia em domínio público, o direito autoral sobre o boneco permanece protegido. De acordo com a Mickey Mouse Protection Act, as obras entram em domínio público somente 70 anos após a morte do autor e, no caso de obras cujos direitos pertencem a empresas, o prazo é de 120 anos após a sua criação, ou de 95 anos após o seu lançamento. Assim, se não houver nova protelação, o ratinho Mickey estará liberado em 2023, ou seja, 95 anos após o seu lançamento no mercado, na hipótese de que se trate de direito do autor. Se Mickey pertence à empresa, a sua liberação deverá ocorrer somente em 2048.

Partindo da idéia de quem detém o poderio econômico pode fazer pressão política, é possível que haja uma nova alteração na lei no futuro e este processo pode acontecer indefinidamente. E é assim os argumentos do manifesto se revelam: nosso futuro se torna menos livre, pois o passado quer controlar o futuro de modo. Segundo Ronaldo Lemos, em entrevista para o documentário “RIP! A Remix Manifesto”, a indústria tem feito lobby para se criar leis especificas de modo a prevenir que a sociedade seja produtora de cultura para si mesma.
As alternativas propiciadas pela Creative Commons buscam equilibrar a balança entre os interesses da indústria e o interesse coletivo. E isso significa limitar o controle que o passado tem sobre nós.

3. Dos custos: é possível não gastar! (ou gastar pouco)
Se fossem distribuídas telas, tintas e pinceis em nossas ruas, teríamos muito mais pintores. Não pelo fato de haver um Picasso escondido em cada um de nós, mas sim porque se todos tiverem a oportunidade de realizar uma atividade, eventualmente surgirão pessoas com talentos para a arte da pintura e ganharão a vida com isso.
O exemplo acima foi dado para tecer uma analogia com o que acontece em um cenário real. Foram dadas as pessoas, consumidores em geral, o poder de criar e divulgar sua música. Essa assertiva se refere ao impacto da cultura do remix em nossa sociedade, como vimos no capítulo anterior.
Aliada a essa possibilidade atual de produzir conteúdo, a internet também exerce uma função parecida com um grande imã que consegue encontrar aquela agulha no palheiro. Isso se deve principalmente aos mecanismos de buscas existentes (Google, Bing, Altavista, Ask, Yahoo, etc).
Estes buscadores facilitam a procura por assuntos baseado na quantidade de vezes que um link é citado por um site: Quanto mais um link é citado na web, mais reputação ele ganha e mais bem colocado nos resultados de pesquisa ele estará. É através destes serviços de buscas que conseguimos, no caso desta pesquisa, encontrar aquela música dita “rara”.
Se antes era necessário ter certo conhecimento de informática para criar um website e publicar suas idéias na internet, no inicio do século XXI as coisas mudaram.
Essa mudança é designada pelo termo Web 2.0, criado por Tim O'Reilly. O autor explica que após a crise da bolha da internet – também conhecida como crise das empresas ponto com – no final da década de 1990, as empresas “sobreviventes” reuniam certas características em comum. A principal delas é a de que os aplicativos desenvolvidos são mais efetivos se houver uma colaboração entre o público (os usuários) e a empresa.
Essa via de mão dupla tem como base o termo “Inteligência Coletiva” de Pierre Lévy, pois segundo o mesmo, nenhuma pessoa sabe tudo, mas todas sabem de alguma coisa. Esse escasso conhecimento é desenvolvido através de uma plataforma que permite que outras pessoas opinem de modo a acumular conhecimento.
O maior exemplo dessa inteligência coletiva na internet é o site da Wikipédia, criado em 2001. A página é uma grande enciclopédia mundial formada por diversos colaboradores de todo o mundo. Para Lévy, existem dois fatores que são fundamentais para o sucesso da Inteligência Coletiva: a cooperação e a competição. Para o primeiro caso existe a capacidade de trocar idéias; no âmbito da competitividade, existe a possibilidade de confrontar pensamentos opostos, gerando um enriquecimento intelectual.

3.1. Baixos custos na internet: a democratização das ferramentas

A internet é um espaço virtual e como tal não há lugar para átomos, apenas bits. A ausência de um espaço físico e concreto permite que o armazenamento de arquivo (em nosso caso, músicas) beire o infinito.  
Em seu livro intitulado “A Cauda Longa”, Chris Anderson explica essa denominação através de uma imagem que podemos representar graficamente como na figura abaixo.


Como pode ser observado na imagem, os sucessos (hits) estão no topo (cabeça) do gráfico. Esses hits fazem parte, em quase sua totalidade, da indústria fonográfica. São as músicas mais consumidas pela população, pois são as que mais têm investimento em marketing, publicidade, veiculação na mídia, shows, etc. Contudo, está associada à escassez, pois não são todos os músicos que ocupam esse espaço. É restrito a poucos, pois a indústria precisa de grandes sucessos para se manter preponderante e obter lucro e é inviável economicamente patrocinar todas as bandas que surgem
A Cauda Longa do gráfico engloba todos os artistas fora do circuito Mainstream (Principal) da música, ou seja, o Underground. É o que o autor chama de nichos. Segundo ele, os produtos (a música) podem ser divididos em uma enormidade de categorias especificas. Como a Internet não está localizada em um espaço físico especifico e não necessita de caminhões, depósitos e prateleiras (átomos) para divulgar sua música, diferente da indústria fonográfica, não há limites para o armazenamento.

Ainda existem hits e nichos, mas os hits estão ficando relativamente menos populares, enquanto os nichos se tornam cada vez mais populares. Todos esses nichos em conjunto podem substituir um mercado tão grande quanto o dos hits, se não maior. Embora nenhum dos nichos venda grandes quantidades, são tantos os produtos de nicho que, como um todo, podem compor um mercado capaz de rivalizar com o dos hits.

Essa afirmação é mais um dos motivos que corroboram o que foi dito no inicio do segundo capítulo a respeito do indicador de sucesso criado pela indústria fonográfica: o número de álbuns vendidos e a sua respectiva classificação (ouro, platina, diamante).
Após esta explicação sobre nichos e hits, onde fica a questão dos custos e da democratização das ferramentas?
Ora, os custos com a internet, para o usuário comum que possui a sua banda, são ínfimos em relação à dimensão do público que se atinge. Geralmente não há quantias de dinheiro envolvidas, exceto a aquisição de um computador (ferramenta de produção) e um plano de acesso a internet (ferramenta de distribuição). O que mais se consome é o tempo utilizado na criação e manutenção (seja de uma página (site), uma rede social, etc).
Além dessas duas forças, a produção associada ao computador e a distribuição associada à internet, há ainda uma terceira ferramenta que compõe a Cauda Longa: ligação entre a oferta e procura.

Esse aspecto pode assumir qualquer forma, desde a busca da sabedoria das multidões pelo Google até as recomendações de músicas pela iTunes, juntamente com a propaganda boca a boca dos blogs e das resenhas de clientes. O resultado de tudo isso para os clientes é reduzir os "custos de busca" para encontrar o conteúdo dos nichos. Em economia, custo de busca é qualquer coisa que interfira na descoberta do que se tem em mira. Alguns desses custos são não-monetários, como perda de tempo, aborrecimentos e confusão. Outros têm expressão em moeda, como comprar algo errado ou pagar preço excessivo por não encontrar alternativas mais baratas. Qualquer coisa que facilite encontrar o que se procura ao preço que se quer reduz os custos de busca.

Alguns sites funcionam como ferramentas de distribuição e divulgação do artista, proporcionando também que o mesmo garanta seu feedback junto aos fãs. São as redes sociais. Explicarei a seguir o funcionamento de quatro delas: o MySpace, o Last.fm, o YouTube e o Orkut.
O MySpace é um das principais redes sociais relacionadas a música. É possível criar o perfil da sua banda no site, incluindo adicionar vídeos, disponibilizar as músicas para os ouvintes direto do próprio site, espaço para comentários dos fãs, localização geográfica, gênero musical, biografia do artista formas de contato, agenda de shows, entre outras utilidades. Tudo isso de uma forma fácil e intuitiva. Artistas brasileiras como Maria Gadú, Faichecleres, Angra, Fiuk, Marina Lima, Los Hermanos possuem uma página no site. Fora do nosso país, temos Lady Gaga, Justin Bieber, Miley Cyrus, Guns’n’roses. Percebe-se que é um ferramenta bastante democrática, pois inclui tantos músicos famosos mundialmente, como bandas com menos popularidade.
O Last.fm é, assim como o MySpace, uma rede de relacionamentos. Seu slogan “The social music revolution” (A revolução social da musica) e seu diferencial é permitir que, a partir de um download de um software, o usuário envie para o site os dados da canção que acabou de escutar em seu computador. Uma lista das músicas mais ouvidas é criada e outras pessoas podem acessar elas no perfil do usuário. Além das listas de música, há a possibilidade de comparar o gosto musical entre dois usuários: super, muito alto, alto, médio, baixo, muito baixo. Essa relação é feita automaticamente pelo próprio site conforme as músicas que ambos ouvem. Por fim, o site também possibilita encontrar artistas parecidos entre si. Exemplo: se as mesmas pessoas que ouvem Roberto Carlos também ouvem Erasmo Carlos, o website entenderá que ambos são semelhantes. Quanto mais pessoas cadastradas no serviço, mais refinada se torna essa semelhança, pois a base de dados é maior e tudo isso é baseado nas informações que os usuários provem ao Last.fm
O YouTube é o site com o maior acervo de vídeos do mundo. Sua idéia principal é de permitir a veiculação de vídeos caseiros do cotidiano da população, baseado no seu slogan “Broadcast Yourself” (Divulgue-se). Estes vídeos seriam compartilhados entre as pessoas mais próximas, permitindo comentários nos mesmos. Teve um impacto tão grande na cultura popular mundial que foi eleito pela revista americana Time como a melhor invenção do ano de 2006. Muitas bandas de garagem utilizam-no para expor seus clipes ou montagens com fundo musical. A indústria fonográfica percebeu o potencial do YouTube e criou seus próprios perfis – que são chamados de canais no site - para divulgar seus músicas, proibindo usuários comuns de utilizarem canções protegidas por direitos autorais em suas versões completas.
Por o fim o famigerado Orkut, a rede social mais usada pelos brasileiros. O adesão ao serviço, em seus primórdios, era através de convites. Só quem estava “dentro” poderia convidar quem estivesse de “fora” da rede. Os amigos disputavam convites entre si - há casos até de vendas de convite, tamanho era o apelo que o site causava - e isso mexia com o imaginário popular: o que havia de tão interessante nesse site? Além dos convites, o Orkut conquistou usuários pela facilidade em criar um perfil na rede, encontrar seus antigos amigos e se comunicar com eles. Esse clima de nostalgia contrastava com a questão do status: era preciso mostrar aos outros que se tinha mais amigos.
A grande contribuição do Orkut aconteceu através das suas comunidades, espaços virtuais semelhantes a fóruns de discussão. No caso desta pesquisa, existe uma comunidade denominada “Discografias” que continha milhares de links que possibilitavam “baixar” músicas. Esses links eram disponibilizados pelos seus quase 1.000.000 de usuários, até que a mesma foi fechada em Março de 2009 devido a ameaças da APCM e outros órgãos de defesa de direitos autorais. Seis meses depois houve o retorno da mesma, mas que nem de longe apresenta os mesmos números de usuários do que antes do fechamento (atualmente não passa de 30.000).  
Em paralelo a isso, devido ao grande número de brasileiros na rede, comunidades relacionadas a músicas e gêneros musicais foram criadas. As bandas menores se comunicavam facilmente com os fãs que iam aos shows. Havia uma fervilhante troca de idéias: sugestões de música para tocar, pedidos para que eventos da banda ocorressem na cidade, análises do significado das letras das músicas, notícias relacionadas à banda, entre outros.

3.2. Modelos de negócio: como a indústria e os artistas se reinventaram

Um dos principais impactos da internet, no cotidiano da população com acesso a rede, foi a facilidade de pesquisar e comparar preços de produtos. Se antes era necessário ir de loja em loja atrás das melhores promoções de CDS, aparelho de som e tocadores de DVD, com os mecanismos de buscas tronou-se possível visitar os sites dos próprios fabricantes.
Essa facilidade em saber o valor das coisas propiciou ao consumidor um maior poder de barganha ao, por exemplo, adquirir um aparelho de som. O vendedor tinha que ter jogo de cintura para fisgar um cliente munido de tantas informações. Em decorrência disso, podemos concluir que a internet ajudou a trazer os preços dos produtos, principalmente os eletrônicos e os de serviço, para um patamar mais próximo da realidade, diminuindo as margens de lucro.
No caso da indústria fonográfica, essa situação foi acentuada porque a internet possibilitou o compartilhamento das músicas. Era mais cômodo e barato para o consumidor copiar canções na web do que ir ao mercado e adquirir um CD.
Como a indústria pode combater esse compartilhamento? Já vimos no final do capítulo 1 algumas dessas formas, mas como isso se traduz na realidade? A seguir, falarei dos novos modelos econômicos surgidos em decorrência da problemática do compartilhamento digital.  
No final da introdução dessa pesquisa demos os exemplos da banda Radiohead, que adotou o modelo “pague o quanto quiser” e do Arctic Monkey que foi divulgada na rede por fãs fervorosos através do perfil no MySpace da banda. Existem outros modelos? Sim.
A empresa americana de tecnologia Apple, responsável pela criação do iPod, criou um novo modelo de negócios baseado na compra online de MP3 em sua loja virtual iTunes. No período de sua criação, havia um temor muito grande por parte dos norte-americanos de serem processados pela indústria fonográfica devido ao compartilhamento.
Os aparelhos da Apple (Notebooks, iPod, iPhone, etc) estão todos sincronizados com o seu player de mídia (o iTunes). A loja dava ao consumidor a possibilidade de adquirir faixas individuais, ao invés de álbuns completos, por preços módicos, variando entre U$0,69, U$0,99 e U$1,29 dolares, dependendo do apelo popular do artista em questão. Esse baixo custo, aliado a possibilidade de adquirir somente as músicas que deseja e de forma legal no ambiente americano tornou o iTunes um sucesso. Vale salientar que boa parte do lucro da Apple não vem da venda de faixas de música, mas sim dos seus hardwares, como o já citado iPod. Isso porque não é necessário ter comprado a música no iTunes para ouvir em um dos seus aparelhos.
Duas bandas, Panic! at the Disco e Paramore, vendem camisas com códigos embutidos em suas etiquetas. Esses códigos permitem aos fãs da banda acessarem o site da mesma e nele baixarem um single.
A extinta banda White stripes vendia edições limitadas de CD e singles, assim como pôsteres e outros apetrechos nas cidades em que faziam shows. Se o fã não comparecesse ao show, só iria adquirir esses produtos em “mercados negros”.
A cantora americana Jill Sobule financiou a gravação de um album com o dinheiro doado por fãs. Em menos de 60 dias conseguiu arrecadar U$75.000 dólares.

Para atingir a meta proposta, a cantora ofereceu vários pacotes de patrocínio que variavam de US$ 10 (onde o doador ganhava uma cópia digital do mesmo) e US$ 50 (ganhe o CD semanas antes de todo mundo com um “obrigado” personalizado no encarte) a valores como US$ 1 mil, onde você ganha uma música tema personalizada, para pôr na sua secretária eletrônica, por exemplo; e US$ 5 mil, onde ela viajaria até sua casa e faria um show particular. A cantora chegou a, por pura brincadeira, criar um selo único de patrocínio no valor de US$ 10 mil. Nele, o comprador poderia cantar uma faixa no disco. Para a surpresa de Jill, uma fã no Reino Unido comprou esse selo, viajou até Los Angeles e agora a voz dela está lá no álbum “California Years

No caso do Brasil, temos o ritmo Tecnobrega no Pará com o seu maior expoente, a Banda Calypso. O lucro com as vendas de CDs das bandas são dos camelôs. O próprio artista se encarregar de distribuir seu material no comércio informal para o público sentir o “gostinho” do que virá. O dinheiro vem na forma de vendas de ingressos para o show e dos produtos vendidos no local: bebidas, comidas, apetrechos da banda. O carisma do grupo musical ganha mais relevância.
Um caso curioso comentado por Ronaldo Lemos no documentário Good Copy, Bad Copy, o artista se preocupa em ganhar dinheiro no show. O carisma do artista ganha relevância. Ao citar o retorno aos palcos da banda The Pixies em 2004, a mídia estrangeira estava debatendo sobre o novo e inovador modelo de negócios que a banda adotou: gravar as músicas do show durante a apresentação e vendê-las na saída. Esse modelo já havia sido adotado em Belém do Pará quatro anos antes.

No mercado, fala-se em entressafra de talentos. 
As gravadoras independentes rejeitam o argumento. Para João Marcello Bôscoli e Andre Szajman, diretores da Trama, o braço de entretenimento do grupo VR, o que falta para as grandes gravadoras é um novo modelo de negócios. O problema das multinacionais, na opinião da dupla e da maioria dos independentes, é não conseguir viver com baixas vendagens. "O que faz mais sentido? Ter vários restaurantes pequenos ou um refeitório de 2 000 lugares?", pergunta Bôscoli. "Com música é a mesma coisa. Preferimos ter dez discos que vendam 100 000 cópias cada um do que um único que venda 1 milhão." Dois dos três discos da Trama que atingiram a marca de 100 000 cópias vendidas foram de novos artistas -- Fernanda Porto e Luciana Mello. E ambos foram lucrativos, diz Szajman. 

Outras formas que a indústria pode ganhar dinheiro utilizando o modelo freemium da economia do grátis e que não foram citadas nos exemplos são:

  1. Oferecer bebidas de graça, vender os shows;
  2. Oferecer frete grátis, vender um CD pela internet;
  3. Oferecer um jogo de música gratuito, vender músicas para tocar nesse jogo

O que se vê com todos esses exemplos é que a música continua sendo o produto principal, mas não é só vendendo a música em si que é possível ganhar dinheiro. É viável oferecer serviços referentes, em sua maior parte limitados ou especiais para um seleto grupo, ao mundo da música. Podemos fazer uma analogia, a grosso modo, com as companhias de aviação, que barateiam o preço das passagens, mas podem cobrar pela comida, pelo aluguel de um automóvel, pelas diárias de um hotel.
Não é uma “pegadinha”, mas é como Chris Anderson denomina o modelo freemium, onde alguns poucos clientes subsidiam a maioria. Exemplos disso, em outros aspectos fora do campo musical, são muitos: ofereça trechos de livros grátis na internet e vendê-los de forma integral; oferecer um jogo online de graça e cobrar para adquirir mais recursos (Second Life); dar aulas de administração através de um videolog e cobrar por palestras especializadas.
O que se vê em geral, por parte das bandas independentes, é que estas estão mais preocupadas em difundir sua musica do que com a questão dos direitos autorais.

Nós, como gravadoras e selos, precisamos repensar a maneira de vender música. Há o modelo "coma o quanto agüentar", no qual você paga digamos 10 dólares por mês e consome o que quiser. Mas você não se torna o dono. Isso seria um modelo. Outra forma é pegar uma parte dos lucros das telecoms, empresas de celulares e servidores de internet e tirar uma parte para compensar os donos dos direitos autorais. E isso seria cobrado direto na conta do cliente. E você baixa as músicas que quiser. Apenas consome. (Olivier Chastan, Diretor de Marketing da VP Records, o maior selo de reggae do mundo, em entrevista ao documentário Good Copy, Bad Copy)

Podemos concluir que as pessoas pagarão para poupar tempo, para reduzir o risco, pelas coisas que gostam, por status e até mesmo por obrigação (uma vez que tenham sido cativadas).

3.3. Caso de bandas potiguares

A cena musical no Rio Grande do Norte, especialmente em Natal, nunca foi tão efervescente. Vários festivais (Música e Alimento da Alma (MADA), Festival DoSol, Circuito Cultural Ribeira, MPBeco, etc) são organizados durante o ano para mostrar que aqui também se faz música.
Grande parte das bandas surge e encerra suas atividades em um pequeno espaço de tempo. Sejam por agendas conflitantes entre seus integrantes, divergências musicais, fusões com outras bandas, as mesmas percebem que têm um prazo de validade que expira quando os componentes percebem que não dá, ou é muito difícil, para viver somente tocando música.
Tendo em vista este conhecimento prévio acima apresentado e para os fins desta pesquisa foram entrevistadas, através de um questionário de dez perguntas, oito bandas: Os Bonnies, I.T.E.P, HardAlliance, Talma & Gadelha, Killing Fields, NaBoa, Planant e Declite.
Os critérios envolvidos para selecionar as bandas foram, basicamente, dois: ter sido criada após o inicio do século XXI e possuir integrantes e/ou tocar primariamente no Rio Grande do Norte, especificamente em Natal. Foi dada a oportunidade a outros artistas de responderem o questionário (este foi enviado a mais de vinte bandas) e exporem suas opiniões, mas estes preferiram não se manifestar. Foi tentado o contato com o selo DoSol de música, mas também não houve retorno. Esta falta de comunicação através de email leva a crer que o mesmo não é levado tão a sério quanto às redes sociais ou serve apenas como um enfeite, usado para cadastrar atividades da banda em outros sites ou até falta de tempo hábil. Como não é trabalho do historiador conjecturar o que poderia ter sido, vamos ao questionário.
A comunicação com as bandas foi feita através de mensagens eletrônicas (e-mail) e as questões versaram sobre os primeiros passos na carreira do artista, o impacto da internet na promoção e divulgação de seus trabalhos, as ferramentas virtuais usadas, a sobrevivência no meio musical, a questão da pirataria, copyright e copyleft,patrocinadores e valorização do artista de uma forma não-monetária.
Todas os grupos musicais entrevistados surgiram a partir do inicio do século XXI, sendo Os Bonnies a banda com mais longevidade (2001) e Talma&Gadelha a mais recente (2011). O grupo musical de axé NaBoa, por exemplo, surgiu em 2009 e acabou logo em seguida, mas segundo Diogo Andrade, um dos integrantes:

A carreira foi curta, porém explosiva, em março [de 2009] a banda surge e começa a abrir shows em festivais na zona norte. Em julho do mesmo ano estávamos em Lisboa tocando na mostra natalense em Portugal [..] No mês seguinte puxamos o bloco cidadão nota dez no Carnaxelita 2009 em Currais Novos

Tabela cronológica com o ano de criação de cada banda

Os Bonnies
2001
Killing Fields
2003
HardAlliance
2006
I.T.E.P
2006
Declite
2007
Planant
2009
NaBoa
2009
Talma&Gadelha
2011

Todavia, a maior parte das bandas entrevistadas começou tocando músicas covers em eventos de pequeno porte. Isso porque, de inicio, a banda é vista como um hobby (levado a sério na medida do possível) e os covers são a forma de expressão primária, pois além da grande aceitação popular dos mesmos, não é necessário compor musicas originais desconhecidas da platéia.
Questionados sobre o papel da internet na promoção e divulgação das bandas, todos se mostraram favoráveis por motivos diversos: comunicação com o público, disponibilizar o material musical de graça, conseguir contatos para realizar shows e publicar fotos e vídeos dos eventos de que participaram. João Paulo, baterista da banda I.T.E.P diz que “sem a Internet o âmbito de nossas músicas não passaria de cidades vizinhas de nosso estado".
As redes sociais mais utilizadas pelas bandas são o MySpace, Twitter, Facebook, Orkut e Fotolog. Além da proximidade com os fãs, estes podem divulgar o trabalho da banda que admira para os amigos. As redes sociais trouxeram conveniência e servem como um cartão de visitas para os desconhecidos. Fora isso, foram citados sites específicos que auxiliam o artista como o TramaVirtual - que remunera a banda em relação ao número de downloads ocorridos – e o Toque no Brasil – um site em que o artista se inscreve para ter oportunidades de tocar em eventos dentro e fora da cidade de origem.


Nosso primeiro site tinha, além de áudio e fotos, um blog onde relatávamos impressões sobre os shows e falávamos de uma maneira geral sobre cada um. Éramos mais jovens e tínhamos mais gás para fazer esse tipo de coisa "extra".

Os integrantes que responderam os questionários não conheciam ou nunca tinham discutido sobre as diferenças entre a licença copyleft e o copyright, mas a maioria diz não se importar que suas músicas sejam remixadas ou usadas por outros, desde que lhe sejam dados os devidos créditos.
Ao serem questionados se havia uma diferença entre piratear um CD e baixá-lo de graça na internet, a metade dos artistas concluiu que esta existe. Um dos pontos citados foi que, caso a música tenha sido disponibilizada pelo artista, o mesmo não espera lucro, diferente de um CD pirateado que supostamente impediu a compra do original; outro fator, polêmico, citado é que a pirataria, de certa forma, ajuda a divulgar o artista, tendo como base o raciocínio de que algo sem qualidade não seria pirateado.


Talvez essa seja uma impressão equivocada, tendo em vista que é difícil contrastar qualidade com apelo popular. Bruno Costa, integrante do HardAlliance, alega que ouvir a MP3 previamente possibilita conhecer o material para, só então, decidir comprá-lo. E emenda:

No nosso site é possível ouvir o nosso CD na íntegra. E acredite, isso ajuda na venda dos CDs, pois é complicado investir dinheiro em material que não se conhece. Uma peculiaridade do público do Rock/Metal é que, na maioria das vezes, se você gosta da música, mesmo você tendo o arquivo digital, você acaba comprando o CD. Existe no nosso meio esse sentimento de contribuição.

Essa opinião acerca da mídia física está em sintonia com o que diz Marcus Eduardo, integrante do Declite:

É, de certa forma, mais organizado divulgar por meio de mídia física. É mais fácil de produtores/investidores criarem interesse em relação à banda tendo em mãos um CD bem gravado, com uma arte legal e etc.
Quando consideram “irrelevante” baixar ou piratear, isto se dá tanto pelo fato da banda distribuir o álbum de graça pela internet concomitante a venda de CD físico (o caso de Talma&Gadelha), como também,segundo Diogo Andrade, devido a:
No Nordeste em particular, acho que banda nenhuma ganha "royalties" de CD's vendidos em gravadoras, como já disse, aqui é movido a: Gravar CD, Espalhar viralmente pela internet, convidando o publico para possíveis próximos shows

Excetos as bandas Planant - que tem parceria com um selo de Maceió – e a extinta NaBoa – em que as músicas eram divulgadas na rádio devido a natureza de um dos integrantes fazer parte de uma emissora – as outras não tem possuem parceiros financeiros fixos. Para Otavio Magão, guitarrista do Killing Fields, essa ainda é uma realidade distante das bandas independentes: "Isso é um sonho. Recebemos aplausos apenas e olhe lá...". É comum que os incentivos recebidos para participar de um evento sejam apenas água e refrigerante. Alguns recebem parte da bilheteria ou um cachê, mas constituem exceções.
É possível uma banda independente viver de música? Há um consenso que esta situação é para poucos, então, no geral, não é possível viver só de música. “Não se vive, se sobrevive” diz Emmily Barreto, baterista do Talma&Gadelha, opinião reforçada por Otávio Magão. É necessário ter um trabalho em paralelo ou apoio da família para não depender só dos dividendos dos shows. O dinheiro destes é mais comumente usado para manutenção de equipamentos e para redução de custos (bandas de garagem são um hobby caro). Lauro Kirsch, baterista do Planant, aposta na exposição da imagem da banda como forma de arrecadar fundos, mas para isto é necessário uma base solida de fãs que é gerada apenas se as músicas produzidas pelas bandas tiverem qualidade, como explica Marcus Eduardo, baterista do Declite.
Se é tão difícil assim ganhar dinheiro só com a música, por que tantas bandas surgem e insistem nisso? Além de servir como entretenimento, os integrantes que responderam ao questionário perceberam que a valorização do trabalho não vem apenas em forma de dinheiro. Os elogios recebidos, os aplausos, a influencia na vida das pessoas, shows lotados, ver os fãs divulgando o material, ser bem tratado pela produção do show e tocar em eventos expressivos são algumas das formas não-monetárias citadas nas entrevistas que valorizam o trabalho do artista. Como diz Emmily Barreto, "A moeda do artista não é o dinheiro, sim aplauso, respeito e liberdade". Ainda assim, Diogo Andrade, ex-integrante da extinta banda de axé NaBoa, mostra que há esperança: “Temos clima e animação para acontecer festas a todo vapor todos os fins de semana [...] [você só precisa] provar que é bom jogando as músicas na rede e sendo contratado por shows milionários, como Luan Santana”. Vê-se que o talento pode ser reconhecido, mas é necessária uma dose de sorte para se tornar um hit


A todos foram perguntados sobre se ainda adquirem o álbum físico, as opiniões foram controversas, metade para cada lado. Contudo, entre os que apenas baixam na internet e os que adquirem o álbum para valorizar a banda que admira, há certa unanimidade em citar os motivos que levam alguém a adquirir um CD original. João Paulo, I.T.E.P, diz que a mídia física “desperta os sentidos” e os outros artistas consideram o CD - ou vinil, para o caso de Thiago dOs Bonnies – como um item valoroso e apreciativo devido a capa, aos encartes e a poder exibi-lo como um artefato de colecionador/apreciador.


Por fim, indagados sobre a possibilidade de combater a pirataria, foi constatado que esta é uma guerra sem fim. Inviável mesmo. O que se pode fazer, segundo eles, é diminuí-la através de medidas como baixar o preço dos CDs e DVDs e disponibilizar as músicas para o consumidor ouvir.
De modo geral, a situação no RN é promissora no sentido do surgimento de novos artistas. Existe público e palcos para que as bandas independentes se apresentem. Porem, devido ao enorme número de grupos musicais que surge, o mercado torna-se mais competitivo. Essa competição torna o viver de música um ponto improvável, a menos que o artista tenha um forte apoio financeiro, uma voz acima da média ou cante para um grupo seleto.
Como exemplos disso podemos citar os casos de João Batista, Marina Elali e Roberta Sá, todos ex-participantes do programa FAMA da rede Globo e que hoje, principalmente os dois últimos, são artistas conhecidos em todo o Brasil. Temos também a artista Camila Masiso que recentemente excursionou em uma turnê pela Europa através de um forte apoio financeiro – baseado em seu talento. Além disso, no âmbito regional temos o cantor de “pornobrega” Tertuliano Aires, conhecido pela alcunha de Cabrito, que teve um aumento de público devido a divulgação de seu trabalho por seus fãs na internet.
Considerações finais
A mentalidade da nova geração está acostumada ao grátis. Para nós não é estranho e sim o comum. Percebendo isso a Indústria se modifica para manter o seu predomínio, atuando em diversas áreas de gerenciamento da carreira de um artista e dialogando com o consumidor através de ações nas mídias.
O grande problema enfrentado hoje pelo consumidor é, no meio de tantas alternativas, filtrarem o que realmente deseja. Chris Anderson trabalha essa perspectiva ao apontar em seu livro A Cauda Longa um exemplo sobre as cores de tintas. A cornucópia presente faz com o consumidor se sinta confuso na hora de pintar sua casa: o que é melhor: um azul-bebê, azul-ciano, azul-cobalto, azul-denim ou azul-da-persia? Essas pequenas decisões, se as transportarmos para o mundo da música, tende a criar nichos cativos de fãs, que dificilmente experimentarão novas coisas além de mais do mesmo, pois não irão querer sair da sua zona de conforto.
A tarefa de apreciar um álbum tornou-se mais rasa ao observamos que as pessoas, em especial o jovem dessa nova Geração Z, ao mesmo tempo em que ouve sua música no computador, faz uma série de tarefas concomitantes: conversar no bate-papo, atualizar sua rede social, prestar atenção na TV ao lado, atender ao celular, entre outros. A música torna-se trilha sonora, plano de fundo de uma juventude, e não o seu produto principal. Entretanto, o produto original, o álbum físico, ainda é bastante valorizado e representa prestígio. As pessoas não presenteiam outras com produtos piratas por “vergonha” e nem os colocam a mostra em suas prateleiras.
Assinar um contrato com uma grande gravadora ainda é, apesar de tudo, um dos objetivos principais de uma banda, por tudo que esta pode oferecer em relação à publicidade, gerenciamento da carreira e know-how . Ter um contrato significa que a banda não mais se preocupará com nada além de compor e tocar. É como um atestado de legitimidade para o artista e para a sociedade, mostrando que os degraus da fama foram galgados.
Aprendemos que valorizar não é somente dar dinheiro, mas que também pode acontecer de formas não-monetárias, através do reconhecimento de um trabalho bem feito. Por exemplo: o custo de uma gravação em estúdio por uma banda independente pode ser pago com a boa reputação alcançada pelos sucesso de seus downloads. Suas músicas acarretarão uma demanda por um show e o investimento na gravação será pago com uma agenda lotada. É uma cadeia de eventos.
Vivemos em uma época que o digital pode ser desperdiçado. Em um show de stand-up comedy (Delirious) do ator de comédias Eddie Murphy o mesmo se dirige a platéia e solicita uma câmera fotográfica. Nesse tempo, 1983, não havia câmeras digitais, os filmes tinham, em média, 36 poses. Diferente de hoje, em que se pode tirar uma foto, ver se ficou boa e apagar caso não goste, antigamente havia todo um ritual, uma preparação para tirar a fotografia. Era um ato valorizado. O ex-integrante da banda Dorsal Atlantica explicita bem isso no ramo da música da seguinte maneira
Eu não tinha grana, economizava, juntava e escolher apenas um LP importado era um suplício. Hoje você baixa, e se não gostar, apaga. Não tem mais graça, não há mais o risco de se dar mal. Quem entra no jogo é para perder e ganhar, tem que gastar dinheiro suado com disco bom e ruim.

Diante de tanta efemeridade na internet, percebemos que o MP3 se torna um cartão de visitas, pois o mesmo tem que impressionar o ouvinte logo de cara. Este consumidor, por outro lado, busca conhecer as músicas previamente antes de decidir gastar.
A internet já está presente em nosso cotidiano, não é possível evitar. Já houve exercício de futurologia demais quando disseram o que o cinema falado era só uma moda, que o rádio ia perder o espaço para a TV e que ninguém mais iria ao cinema tendo a possibilidade de assistir filmes em casa no seu antigo videocassete. Cabe a indústria se reinventar e adaptar seus modelos de negócios para esta nova realidade. Há espaço para todos.
Vemos também que a forma de produzir cultura mudou. Hoje é mais fácil misturar as coisas, combiná-las e produzir novas realidades. As pessoas estão se tornando curadoras de sua própria produção cultural. O público não está estático: ele se interessa em participar das etapas de produção. Não quer apenas ser um consumidor passivo aguardando para consumir o que a mídia impõe. Ele, o público, deseja interagir.
No curto prazo, uma conseqüência do compartilhamento de músicas na internet é a fácil divulgação. Está tudo um clique do mouse. No longo prazo, vemos que as músicas não se perderão dado que os mecanismos de buscas se tornam mais eficientes. A internet tornou-se o maior repositório musical e ele tende ao infinito. Ao “cair na rede”, não há mais volta.
Por fim, percebemos que “o maior inimigo do autor não é pirataria, mas sim a obscuridade”. Palavras de Tim O'Reilly no livro FREE: Grátis – o futuro dos preços. O compartilhamento e a pirataria, mesmo em suas formas ilegais, servem como termômetro para medir a popularidade das canções. Tanto é que a RIAA anunciou, em 2008, que não iria mais processar individualmente usuários por compartilhamento. Um dos fatores que podem justificar isso é considerar que as pessoas que fazem o envio de arquivos para a internet são os maiores fãs, os verdadeiros fanáticos, pois ninguém compartilharia na internet algo que considerasse ruim.

Referências Bibliográficas
Livros
ANDERSON, Chris. A cauda longa: do mercado de massa para o mercado de nicho. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006
ANDERSON, Chris. FREE: Grátis – o futuro dos preços. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009.
BARTHES, Roland. Mitologias. Rio de Janeiro: Editora Bertrand Brasil, 2001.
DIAS, Marcia Tosta. Os donos da voz: indústria fonográfica brasileira e mundialização da cultura. São Paulo: Boitempo; FAPESP, 2000.
KEEN, Andrew. O culto do amador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2009.
LEVITT, Steven; DUBNER, Stephen. Freakonomics: O lado oculto e inesperado de tudo que nos afeta. Rio de Janeiro: Campus, 2005
LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999.
LIMA, Clovis Ricardo Montenegro de; OLIVEIRA, Rose Marie Santini de. MP3: Música, comunicação e cultura. Rio de Janeiro: E-papers, 2005.
LOURENÇO, Eduardo. A cultura na era da mundialização. Instituto Ciências Sociais, Lisboa, 1995
MOURA, Roberto Murcia. Sobre cultura e mídia. Irmãos Vitale, 2001.
NAPOLITANO, Marcos. História & Música. História cultural da música popular. 2 ed. Belo horizonte: Autêntica, 2005
RIGGS, Asa; BURKE, Peter. Uma história social da mídia: de Gutenberg à Internet. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2004.
Internet
www.youtube.com – Site de vídeos. Deste foram retirados os links para as propagandas feitas pela indústria.
www.google.com – Mecanismo de pesquisa utilizado neste trabalho para encontrar artigos relacionados ao tema.
www.apcm.org.br, www.ifpi.org, www.riaa.com – Contribuiram com algumas informações a respeito do ponto de vista da indústria.
www.creativecommons.org.br – A Creative Commons busca promover o equilíbrio entre as leis de Copyright e Domínio Público criando licenças de uso.
www.dominiopublico.gov.br – Site do governo que permite o download legal de imagem, som, texto e vídeo que estão sob Domínio Público.
Filmes
Good Copy, Bad Copy – Documentário produzido na Dinamarca em 2007 pelo estúdio Rosforth e dirigido por Andreas Johnsen, Ralf Christensen e Henrik Moltke. Mostra os pontos de vista da indústria fonográfica sobre a distribuição ilegal de arquivos, a questão dos Copyright e os novos modelos de negócio para a música. Em relação ao Brasil, cita o caso de Belém do Pará e seu estilo musical próprio, o Tecnobrega.
Rip! A remix manifesto – Documentário canadense do ano de 2009 dirigido por Brett Gaylor e produzido por Eye Steel Film. Retrata a questão dos direitos autorais, mas focado na denominada Cultura Remix. Mostra como as indústrias se apropriaram de coisas do passado para criar um monopólio cultural do qual não querem abrir mão. O maior exemplo disso é a Disney, empresa cujos desenhos animados foram todos produzidos com base em histórias já existentes. O Brasil é citado no documentário como pioneiro ao desrespeitar as patentes internacionais sobre os remédios da Aids, produzindo copias deles por preços menores para garantir o acesso livre e universal aos cidadãos.

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