A sútil arte de ligar o foda-se

Capítulo 1

Nada contra bons negócios, mas ter necessidades demais faz mal para sua saúde mental. Você acaba se agarrando demais ao que é superficial e falso, dedicando a vida à meta de alcançar uma miragem de felicidade e satisfação. O segredo para uma vida melhor não é precisar de mais coisas; é se importar com menos, e apenas com o que é verdadeiro, imediato e importante.

Daí a importância de ligar o foda-se. É isso que vai nos salvar, nos fazendo aceitar que o mundo é uma doideira e que tudo bem, porque sempre foi assim e sempre será.

Tudo que vale a pena na vida só é obtido ao superar o sentimento negativo associado a ele . Toda tentativa de escapar do negativo, de evitá-lo, suprimi-lo ou silenciá-lo sai pela culatra. Evitar o sofrimento é uma forma de sofrimento. Evitar dificuldades é uma dificuldade. Negar o fracasso é fracassar. Esconder o que é vergonhoso é , em si, causa de vergonha.

Ligar o foda-se é uma arte sutil. Sei que esse conceito pode parecer ridículo e que eu talvez soe como um babaca, mas estou falando de aprender a direcionar e priorizar seus pensamentos de maneira efetiva: escolher o que é importante e o que não é, com base em seus valores pessoais

O problema das pessoas que se agarram a qualquer banalidade como se daquilo dependesse sua maldita vida é que elas não têm mais nada interessante com que se importar.

encontrar algo importante e significativo para a sua vida talvez seja o uso mais produtivo de seu tempo e sua energia. Porque, se você não encontrar algo relevante de verdade, vai se importar com causas frívolas que mereciam um grande foda-se.

Capítulo 2

Em outras palavras, o príncipe percebeu o que todo mundo meio que já sabia: sofrer é uma merda, e não necessariamente se traduz em algo significativo. Seja na riqueza ou na pobreza, não existe valor no sofrimento quando não há um propósito. Daí foi um pulo para o príncipe chegar à conclusão de que sua ideia tão grandiosa, assim como a do pai, era uma bela bosta, e de que ele deveria fazer outra coisa da vida.

a vida em si já é uma forma de sofrimento. Os ricos sofrem por serem ricos. Os pobres sofrem por serem pobres. Pessoas sem família sofrem por não terem família. Pessoas com família sofrem por causa da família. Pessoas que buscam os prazeres mundanos sofrem por causa dos prazeres mundanos. Pessoas que se abstêm dos prazeres mundanos sofrem por se absterem. Isso não significa que todo sofrimento seja igual. Sem dúvida, alguns são mais dolorosos que outros, mas mesmo assim todos sofremos.

A felicidade não é uma equação que possa ser solucionada. A insatisfação e a inquietude são inerentes à natureza humana e, como veremos, componentes necessários para se criar uma felicidade consistente.

O Panda da Desilusão seria o herói que ninguém deseja, mas de que muitos precisam. Ele seria a salada verbal no fast-food da nossa alimentação mental. Tornaria nossa vida melhor, apesar de nos deixar deprimidos por um tempo. Ele nos deixaria mais fortes ao nos destroçar, iluminaria nosso futuro ao nos mostrar a escuridão. Ouvir o que o Panda tem a dizer seria como ver um filme em que o protagonista morre no final: apesar das lágrimas, você adora, porque é verossímil.

(PARECE MARVIN, O ANDROIDE PARANÓICO)

Sofremos pelo simples fato de que sofrer é biologicamente útil. O sofrimento é o agente preferido da natureza para inspirar mudanças. A evolução nos fez viver constantemente com certo grau de insatisfação e insegurança, porque é a criatura levemente insatisfeita e insegura que faz o máximo para inovar e sobreviver. Somos programados pela natureza para ficar insatisfeitos com tudo que temos e desejar apenas o que não temos. Essa insatisfação permanente faz nossa espécie seguir lutando e progredindo, construindo e conquistando. Então, não: nossa dor e tristeza não são uma falha da evolução humana. Pelo contrário: são um recurso essencial dela.

A felicidade está em resolver problemas. Repare que a palavra-chave é “resolver”. Se você evita os problemas ou acha que não tem nenhum, está no caminho da infelicidade. Se acha que não consegue resolver seus problemas, estará no mesmo caminho. O segredo está em resolver os problemas, e não em não ter problemas.

Às vezes são problemas simples: comer bem, viajar, zerar o jogo que você acabou de comprar. Outras vezes, porém, são problemas abstratos e complexos: manter um bom relacionamento com sua mãe, encontrar uma carreira em que se sinta confortável, criar um círculo de amigos fiéis.

Sejam quais forem seus problemas, o conceito é o mesmo: resolva-os e seja feliz. Infelizmente, para muitas pessoas a vida não é tão simples assim. Isso porque elas estragam tudo fazendo alguma destas merdas: Negação . Algumas pessoas negam que os problemas sequer existam. E, como negam a realidade, precisam se iludir e se alienar o tempo todo. Isso pode fazê-las se sentir bem a curto prazo, mas leva a uma vida de insegurança, neurose e repressão emocional. Vitimização . Há quem prefira acreditar que nada pode fazer para resolver seus problemas. As vítimas tentam culpar os outros ou circunstâncias externas. Isso pode fazê-las se sentir melhor a curto prazo, mas leva a uma vida de raiva, desamparo e desespero. As pessoas negam e culpam os outros pelos próprios problemas simplesmente porque é fácil e provoca alívio, enquanto resolvê-los é difícil e muitas vezes gera sofrimento. Culpa e negação dão barato. São uma fuga temporária dos problemas, o que proporciona uma sensação passageira de melhora.

A obsessão e a atenção exagerada aos sentimentos sempre falham pela simples razão de que sentimentos não duram. O que nos faz feliz hoje não nos fará feliz amanhã, porque nossa biologia sempre vai demandar algo mais. A fixação pela felicidade inevitavelmente nos leva a uma busca incessante por “outra coisa” — uma casa nova, um relacionamento novo, mais um filho, mais um aumento. E, apesar de todo o nosso esforço, acabamos nos sentindo do mesmo jeito que no começo: insuficientes.

O que levei muito tempo para descobrir é que eu não gostava muito de escalar. Só gostava de me imaginar no cume.

Você é definido pelas batalhas que está disposto a lutar. As pessoas que gostam da batalha da academia são aquelas que participam de triatlos, têm barriga de tanquinho e conseguem levantar um carro. As pessoas que gostam das longas horas de trabalho e da política de ascensão na hierarquia corporativa são as que chegam rapidamente ao topo. As pessoas que gostam das tensões e incertezas do estilo de vida do artista faminto são, no final das contas, as que chegam aos palcos. Isso não tem nada a ver com força de vontade ou coragem. Não é a repetição da ladainha “não há vitória sem dor”. É o componente mais simples e básico da vida: as batalhas determinam as conquistas. Os problemas criam a felicidade, junto com problemas um pouco menores e mais atualizados. Veja bem: trata-se de uma interminável espiral ascendente. Se você acha que em algum momento terá permissão para parar, infelizmente não entendeu nada. Porque a alegria está na subida.

Capítulo 3

No fim das contas, se sentir bem consigo mesmo não significa nada, a não ser que você tenha um bom motivo para isso. Hoje, sabemos que adversidade e fracasso são muito úteis e até mesmo necessários para o desenvolvimento de adultos determinados e bem-sucedidos. Hoje, sabemos que fazer as pessoas acreditarem que são excepcionais e se sentirem bem consigo mesmas sem fundamento não cria uma população de Bill Gates e Martin Luther Kings

Depois que a pessoa começa a achar que tudo que acontece na vida dela lhe confere ainda mais importância, é extremamente difícil livrá-la desse padrão de pensamento. Qualquer tentativa de ser razoável é vista como mais uma “ameaça” a sua superioridade, por parte de alguém que “não consegue aceitar” tamanho talento/inteligência/beleza/sucesso.

O arrogante forma uma bolha narcisista ao redor de si mesmo, distorcendo todo e qualquer evento para manter a retroalimentação. Pessoas arrogantes têm apenas duas formas de ver os acontecimentos da vida, ambas relacionadas a sua grandeza: reafirmação ou ameaça. Se algo de bom acontece a elas, é fruto de algo incrível que fizeram. Se algo de ruim acontece, é porque alguém está com inveja, tentando derrubá-las. A arrogância é impenetrável.

O que a maioria não identifica como arrogância é o comportamento daqueles que se sentem sempre inferiores e indignos do mundo.

A verdade é que não existem problemas únicos e pessoais. Se você tem um problema, é provável que milhões de outras pessoas já tenham passado por isso antes de você, estão passando agora ou virão a passar no futuro, inclusive conhecidos seus. Isso não diminui o problema nem anula a dor. Isso não significa que você não é legitimamente uma vítima em algumas circunstâncias. Significa apenas que você não é especial. Geralmente, essa constatação — de que você e seus problemas não são mais graves ou mais dolorosos que os dos outros — é o primeiro passo, assim como o mais importante, para resolvê-los.

Todos somos, basicamente, bem comuns. Mas são os extremos que atraem os holofotes. Já meio que sabemos disso, mas raramente pensamos e/ou tocamos no assunto, e menos ainda levantamos a questão de que isso pode ser um problema.

Nossa vida é repleta de informações sobre os extremos da experiência humana, porque no ramo da mídia é isso que chama atenção, e atenção gera lucro. É o mais importante. A maior parte da vida, no entanto, se dá na monótona média. A grande maioria da vida não é extraordinária, e sim bastante medíocre. Essa inundação de extremos noticiados nos condicionou a acreditar que, agora, ser excepcional é a norma. E, como somos todos bastante comuns na maior parte do tempo, o dilúvio de informações sobre o excepcional nos deixa inseguros e desesperados, porque, obviamente, não somos bons o bastante. Assim, sentimos a necessidade cada vez maior de compensar isso com arrogância e vício. Lidamos com isso da única forma que sabemos: enaltecendo a nós mesmos ou aos outros.

Cada um de nós pode ser extraordinário. Todos merecemos a grandeza. O paradoxo dessa ideia — afinal de contas, se todo mundo fosse extraordinário, então, por definição, ninguém seria — não é percebido pela maioria das pessoas. Em vez de questionar o que realmente merecemos ou não, engolimos a mensagem e pedimos mais. Ser “comum” se tornou o novo padrão de fracasso. O pior lugar em que se pode estar é no meio do bando, no topo da curva de Gauss. Quando o padrão de sucesso de uma cultura é “ser extraordinário”, acaba sendo melhor estar no pior extremo da curva de Gauss do que no meio, porque pelo menos ali você é especial e merece atenção.

Uma vez que você aceita a premissa de que a vida só vale a pena se for notável e grandiosa, também aceita o fato de que a maior parte da humanidade (incluindo você) é inútil e sem valor. E essa mentalidade pode se tornar danosa bem rápido, tanto para você mesmo quanto para os outros.

O caminho para a saúde emocional, como para a física, é legumes e verduras — ou seja, aceitar as verdades sem graça e banais. Como “Suas ações em geral não importam tanto assim ” e “A maior parte da vida é tediosa e irrelevante, mas tudo bem”. O prato de legumes vai ter um gosto bem ruim no começo. Você não vai querer comer. Mas, depois que engolir, seu corpo vai acordar mais potente e mais vivo. Afinal de contas, você não vai mais estar carregando a constante pressão de ser incrível e inovador. O estresse e a ansiedade de ser sempre inadequado e de precisar se provar vai se dissipar. E a percepção e a aceitação da sua existência banal o libertarão para realizar o que realmente deseja, sem julgamento ou expectativas altas demais.

Capítulo 4

Tempos depois, Onoda declarou não se arrepender de nada. Disse que se orgulhava de suas escolhas e do tempo que passara em Lubang; que foi uma honra dedicar parte considerável de sua vida a um império já inexistente. Se Suzuki tivesse sobrevivido, provavelmente teria dito algo similar: que estava fazendo exatamente o que queria, que não se arrependia de nada. Esses dois homens escolheram como queriam sofrer. Para eles, o sofrimento tinha um significado , servia a uma causa maior. E foi por esse motivo que ambos conseguiram suportá-lo, talvez até gostar dele.

Todos nós temos pontos cegos emocionais. Em geral, são os sentimentos que aprendemos a considerar inapropriados na infância. É preciso anos de prática e esforço para conseguir identificá-los e expressar as emoções de forma adequada. É uma tarefa extremamente importante, que vale o esforço.

nossos valores determinam a natureza dos nossos problemas, e a natureza dos nossos problemas, por sua vez, determina a qualidade da nossa vida. (...) tudo que pensamos e sentimos sobre uma situação se resume ao valor que damos a ela.

As percepções e sentimentos das pessoas podem mudar, mas os valores-base e a forma de avaliá-los são sempre os mesmos.

Tire um instante para pensar em algo que o esteja incomodando muito. Agora se pergunte por que isso o incomoda. É provável que a resposta envolva algum tipo de fracasso. Depois, pergunte-se por que esse fracasso lhe parece “verdadeiro”. E se isso não for um fracasso? E se você estiver analisando as coisas do jeito errado?

O que é verdade sobre sua situação não é tão importante quanto a forma como você vê a situação, como escolhe medi-la e valorizá-la. Os problemas podem ser inevitáveis, mas o que cada problema vai significar não é

Somos animais. Nos consideramos muito sofisticados com nossos micro-ondas e sapatos de marca, mas não passamos de um bando de animais bem enfeitados. E, por sermos animais, instintivamente avaliamos a nós mesmos a partir do que vemos nos outros, competindo por status. A questão, portanto, não é se nossa autoavaliação tem como referência o que vemos nos outros, e sim qual referência é essa.

Nossos valores determinam o parâmetro segundo o qual avaliamos as outras pessoas e nós mesmos.

Se você deseja mudar sua forma de ver os problemas, precisa mudar seus valores e/ou sua forma de medir fracassos e sucessos.

alguns valores e parâmetros são melhores que outros. Alguns conduzem a problemas bons (do tipo fácil e simples de resolver), enquanto outros levam a problemas ruins (do tipo difícil e complexo de resolver).

Quando as pessoas avaliam a si mesmas não por seu comportamento, mas pelos símbolos de status atrelados a elas, estão sendo não só superficiais como idiotas também.

É simples: coisas dão errado, pessoas cometem erros, acidentes acontecem. Tudo isso deixa a gente na merda. E tudo bem. Sentir-se mal é um componente imprescindível da saúde emocional. Negar sentimentos ruins é perpetuar problemas em vez de solucioná-los.

em geral, as pessoas que morrem de medo da opinião alheia têm medo é de que pensem o mesmo que elas pensam de si mesmas.

a essência do “autoaperfeiçoamento”: priorizar valores melhores é escolher se importar com coisas melhore

Capítulo 5

Muitas vezes, a única diferença entre um evento doloroso e um poderoso é a sensação de que escolhemos passar por aquilo

Quando acreditamos ter escolhido nossos problemas, nos sentimos empoderados. O oposto acontece quando achamos que eles nos foram impostos: nos sentimos vitimados e infelizes

Certa noite, enquanto lia um texto do filósofo Charles Peirce, William decidiu fazer um pequeno experimento. No diário, escreveu que passaria um ano acreditando ser cem por cento responsável por tudo que ocorria em sua vida, fosse o que fosse. Durante esse período, ele faria tudo que estivesse ao alcance para mudar sua situação, mesmo que as chances de dar certo parecessem nulas. Se nada melhorasse naquele ano, ficaria claro que ele realmente era impotente diante das circunstâncias da vida, e, diante disso, William James se mataria

Existe uma percepção simples que permite todo tipo de melhora e crescimento pessoal: a de que nós, individualmente, somos responsáveis por nossa vida como um todo, sejam quais forem as circunstâncias externas. Nem sempre dá para controlar o que acontece conosco, mas sempre podemos definir nossa interpretação dos acontecimentos e nossa reação a eles.

À medida que assumimos a responsabilidade por nossa vida, mais poder adquirimos para mudá-la. Assim, aceitar-se responsável é o primeiro passo para resolver seus problemas.

O que esse sujeito não percebia era que ele tinha escolhido o valor que o prejudicava: a altura. Na cabeça dele, ser alto era imprescindível para impressionar as mulheres. Não tinha jeito: ele estava ferrado.

O valor que ele escolheu lhe tirava o poder e o colocava numa situação péssima: não ser alto o suficiente num mundo feito (na visão dele) para pessoas altas. Ele poderia ter adotado valores muito melhores para guiar sua vida amorosa. “Só vou sair com mulheres que gostem de mim como eu sou” seria um bom ponto de partida, pois se baseia em valores como honestidade e aceitação. Mas ele preferiu outro caminho. Provavelmente nem percebia que estava escolhendo um valor (não sabia sequer que podia escolher). Mesmo sem perceber, ele era responsável pelos próprios problemas.

Eis uma forma simples de diferenciar mais claramente os dois conceitos: culpa é passado, responsabilidade é presente. A culpa aponta para escolhas já feitas, enquanto a responsabilidade aponta para escolhas sendo feitas agora, a cada segundo de cada dia

Aprendi do pior jeito possível que se as pessoas com quem você se relaciona são egoístas e prejudicam outras pessoas, é provável que você também seja assim, mesmo que não saiba disso.

Eu vejo a vida da mesma forma. Todos nós recebemos cartas aleatórias no início do jogo, alguns, cartas melhores. E, embora seja fácil nos fixar no que está na mão e sentir que nos ferramos, na verdade o jogo está nas escolhas que fazemos com essas cartas, nos riscos que decidimos correr e nas consequências com as quais escolhemos viver. Quem, de maneira consistente, faz as melhores escolhas diante das situações que se apresentam acaba ganhando no pôquer, e na vida.

Neste momento, qualquer um que se sinta ofendido com qualquer coisa — seja o fato de que um livro sobre racismo entrou no currículo de uma faculdade, que árvores de Natal foram banidas do shopping local ou que os impostos sobre fundos de investimento tiveram um aumento de 0,5% — acha que está sofrendo algum tipo de opressão e que, portanto, merece se sentir ultrajado e receber determinada quantidade de atenção.

O maior problema da injustiça chique é desviar a atenção das vítimas reais . É como uma overdose de alarmismo. Quanto mais gente se autoproclama vítima de pequenas infrações, mais difícil é enxergar quem realmente sofre.

Nós já escolhemos , a cada momento de cada dia, as coisas com as quais nos importamos. Então, para mudar, basta escolher nos importarmos com outras coisas. É simples assim. Só que não é fácil.

Capítulo 6

Não devemos procurar a resposta “certa”, e sim tentar eliminar nossos erros de hoje para estarmos um pouco menos errados amanhã

Crenças desse tipo — “Não sou bonita, então por que me dar ao trabalho?” ou “Meu chefe é um babaca, então por que me dar ao trabalho?” — são feitas para nos proporcionar conforto imediato, hipotecando uma felicidade e um sucesso maiores para o futuro. São péssimas estratégias a longo prazo, mas mesmo assim nos apegamos a elas por presumirmos que sejam corretas, por presumirmos já saber o que virá. Em outras palavras, presumimos saber o fim da história.

Em vez de lutar por uma vida cheia de certezas, devemos sempre buscar a dúvida, seja em relação a nossas crenças, a nossos sentimentos ou em relação ao que o futuro nos reserva se não metermos a cara e fizermos acontecer. Em vez de tentarmos estar certos o tempo todo, que tal enxergar o oposto? Que tal aceitar que estamos errados o tempo todo? Porque estamos mesmo.

Nosso cérebro é uma máquina de gerar significado. O que entendemos por “significado” são associações mentais entre dois ou mais eventos. Se apertamos um botão e vemos uma luz se acender, concluímos que o botão foi a causa e a luz, a consequência. Em essência, significado é isso. Botão, luz; luz, botão. Vemos uma cadeira, notamos que é cinza. Nosso cérebro estabelece uma associação entre a cor (cinza) e o objeto (cadeira) e elabora um significado: “A cadeira é cinza.

Toda informação nova é avaliada segundo padrões e conclusões prévios. O resultado é um cérebro sempre tendencioso em relação ao que consideramos ser verdade em determinado momento. Se temos um relacionamento maravilhoso com nossa irmã, por exemplo, vamos interpretar a maior parte das lembranças com ela sob uma perspectiva positiva. Quando o relacionamento azeda, é comum começarmos a ver as mesmas lembranças sob nova ótica, reimaginando-as de forma a explicar a atual raiva que sentimos. Aquele presente lindo que ela nos deu no Natal assume conotações de condescendência. Aquela vez em que não fomos convidados para a casa de praia passa de erro inofensivo para tremenda negligência.

Clichês desagradáveis como “confiar em si mesmo” e “seguir seu coração” estão por toda parte. Talvez o melhor seja confiar menos em si mesmo. Afinal, se nosso coração e nossa mente são tão falhos, precisamos questionar ainda mais nossas intenções e motivações. Se está todo mundo errado o tempo todo, não seriam o ceticismo e a rigorosa objeção a nossas crenças e suposições o único caminho lógico para o amadurecimento?

Em meados da década de 1990, o psicólogo Roy Baumeister começou a pesquisar a maldade como conceito, analisando pessoas que cometiam atos ruins e por que os faziam. Na época, supunha-se que as pessoas faziam maldades porque se sentiam mal consigo mesmas — ou seja, tinham baixa autoestima. Uma das primeiras descobertas surpreendentes de Baumeister foi que muitas vezes isso não se aplicava. Em geral, era o contrário. Alguns dos piores criminosos se sentiam muito bem consigo mesmos, e era essa sensação boa, apesar da realidade ao redor, que parecia justificar seus atos de ferir e desrespeitar os outros.

Para que indivíduos justifiquem os próprios atos terríveis, é preciso que tenham certeza inabalável de sua retidão, suas crenças e seu merecimento. Racistas fazem o que fazem porque têm certeza de sua superioridade genética. Fanáticos religiosos dinamitam o próprio corpo e assassinam centenas porque têm certeza de seu lugar no céu como mártires. Homens estupram e agridem mulheres porque têm certeza de seu direito sobre o corpo delas. Pessoas más nunca acreditam que são más; elas acreditam que todos os outros são maus

Nossos valores são imperfeitos e incompletos. Presumir o oposto é o mesmo que vestir uma mentalidade perigosamente dogmática, caindo num comportamento arrogante e irresponsável. A única maneira de resolver nossos problemas é admitir que nossas ações e crenças sempre estiveram erradas e nunca funcionam.

Todos temos valores pessoais. Protegemos esses valores. Tentamos viver de acordo com eles, justificá-los e mantê-los. Mesmo sem perceber, é assim que o cérebro funciona. Como observado antes, somos injustamente tendenciosos em relação ao que já sabemos, às nossas certezas. Se eu acreditar que sou um cara legal, evitarei situações que possam vir a contradizer essa crença. Se acreditar que sou um ótimo cozinheiro, sempre buscarei oportunidades para provar isso a mim mesmo. A crença é sempre a prioridade. Até mudarmos a forma como enxergamos a nós mesmos, o que acreditamos ser e não somos, não temos como superar a evasão e a ansiedade. Não temos como mudar. Nesse sentido, “conhecer a si mesmo” ou “se encontrar” pode ser perigoso. Pode prender você a um papel rígido e colocar expectativas desnecessárias nas suas costas. Pode fechá-lo para seu potencial interno e para oportunidades externas.

Isso é narcisismo puro e simples. Você sente que os seus problemas merecem ser tratados de forma diferente, que os seus problemas têm uma característica única que não obedece às leis do universo.

A verdade é que somos nossos piores observadores. Os últimos a perceber quando estamos irritados, enciumados ou tristes. A única maneira de descobrir isso é enfraquecer a nossa armadura de certeza, o tempo todo considerando a possibilidade de engano.

Muitas pessoas conseguem se perguntar se estão erradas, mas poucas conseguem dar o passo seguinte, de avaliar quais seriam as consequências de estarem erradas. Isso porque o potencial significado por trás dos nossos erros em geral é doloroso. Não só nossos valores são questionados como nos vemos obrigados a considerar viver com um valor diferente, até oposto.

Pergunta 1: E se eu estiver errado?

Pergunta 2: O que significaria estar errado?

Pergunta 3: Se eu concluísse que estou errado, criaria um problema melhor ou pior que o atual, tanto para mim como para os outros?

Capítulo 7

O fracasso em si é um conceito relativo. Se meu parâmetro para a definição de sucesso fosse “me tornar um revolucionário anarcocomunista”, minha incapacidade absoluta de ganhar dinheiro nos anos de 2007 e 2008 teria significado sucesso total. Mas se, como as pessoas normais, meu parâmetro fosse apenas um primeiro emprego decente para pagar algumas contas depois de formado, eu fui um fracasso.

Aprimorar-se em uma tarefa é um processo que passa por milhares de pequenos fracassos, e a magnitude do seu êxito nisso vai se basear em quantas vezes você não conseguiu fazer determinada coisa

Considere uma criança pequena aprendendo a andar. Sabemos que ela vai cair e se machucar centenas de vezes. Mas em nenhum momento ela para e pensa: “Bem, acho que andar não é a minha. Não tenho talento para isso.” A aversão a fracassos e erros é adquirida posteriormente na vida

Grande parte do medo do fracasso surge por conta de valores pessoais muito ruins. Por exemplo, se eu avaliar a mim mesmo pelo parâmetro “ser amado por todo mundo”, a ansiedade é certa, uma vez que dependerei cem por cento dos outros. Não estarei no controle. Assim, meu valor estará à mercê do julgamento de terceiros.

Valores escrotos, como expliquei no capítulo 4, são aqueles que envolvem objetivos externos, fora do nosso controle. Buscá-los provoca alto grau de ansiedade. E, mesmo que consigamos alcançá-los, ficamos vazios e inertes: não há mais problemas a resolver. Valores melhores, como vimos, são focados no processo. Algo como “honestidade ao se expressar” — um parâmetro a ser adotado em virtude do valor “honestidade” — nunca termina; é um problema que precisa ser revisto sempre. Toda nova interação social e todo novo relacionamento trazem novos desafios e novas oportunidades para se expressar com sinceridade. Esse tipo de valor é um processo contínuo e vitalício.

Em perspectiva, as mudanças pessoais mais radicais acontecem depois das piores experiências. Só em face a uma dor intensa nos dispomos a reavaliar nossos valores e examinar suas falhas. Precisamos de algum tipo de crise existencial para analisar de forma objetiva a fonte do significado que damos à vida, e só depois considerar uma mudança de curso.

Para quem está na situação, da perspectiva de cada uma dessas pessoas, são perguntas extremamente complexas — charadas existenciais embrulhadas em desafios lógicos e jogadas num balde cheio de cubos mágicos. Dúvidas videocassete são engraçadas, porque a resposta é difícil para quem está com a dúvida e facílima para todo o resto do mundo. O problema é a dor. Preencher a papelada necessária para abandonar o curso de medicina é uma ação direta e óbvia; lidar com o desapontamento dos pais, não.

Por não conseguir separar sentimento de realidade , eu era incapaz de mudar minha perspectiva e ver o mundo como um lugar onde duas pessoas podem se aproximar a qualquer momento e conversar

Não vou mentir: no começo vai ser muito difícil e você vai se sentir perdido, sem saber o que fazer. Mas já falamos sobre isso, não? Você realmente não sabe. Não sabe nada . Mesmo quando acha que sabe, na verdade você não faz a menor ideia do que está acontecendo. Então, convenhamos, o que há a perder?

Se você quer realizar alguma coisa e não se sente motivado ou inspirado, você acha que já era, ferrou. Não há nada que possa fazer. O impulso para sair do sofá e agir só acontece diante de algum grande evento emocional. Ações levam a novas reações emocionais e, portanto, novas doses de inspiração, que por sua vez motivam ações futuras. Se você não está motivado para realizar determinada mudança importante, faça alguma coisa , qualquer coisa. Depois, aproveite o efeito da ação como combustível para se motivar. Ao me forçar a fazer alguma coisa , mesmo a mais insignificante das tarefas, as tarefas maiores pareciam muito mais fáceis.

Se seguirmos o princípio do Faça Alguma Coisa, o peso do fracasso é reduzido. Quando o parâmetro de sucesso é meramente a ação — quando todo resultado possível é considerado um progresso e tem seu valor, quando a inspiração é vista como uma recompensa e não um pré-requisito —, somos impulsionados à frente. Nos sentimos livres para fracassar, e até mesmo o fracasso nos movimenta

Capítulo 8

no Ocidente “livre”, continuou meu professor de russo, havia uma abundância de oportunidades econômicas — tantas que se tornou muito mais valioso se comportar da maneira X, mesmo que fosse falsa, do que ser de fato da maneira X. A confiança perdeu o valor. As aparências e o carisma se tornaram formas de expressão mais vantajosas. Conhecer muita gente de forma superficial valia mais a pena do que conhecer pouca gente com intimidade. É por isso que nas culturas ocidentais passamos a seguir a norma de sorrir e dizer coisas educadas, mesmo quando não estamos com vontade, contar mentirinhas bobas e fingir concordar mesmo quando discordamos. É por isso que as pessoas aprendem a fingir que são amigas de gente de quem não gostam, a comprar produtos que não desejam. O sistema econômico promove essa farsa.

todo mundo precisa se importar com alguma coisa para valorizar alguma coisa. E, para valorizar alguma coisa, precisamos rejeitar seu oposto. Para valorizar X, precisamos rejeitar o não X.

Ninguém pode resolver os seus problemas para você. E nem deveriam tentar, porque isso não vai fazê-lo feliz. Da mesma forma, você não pode resolver problemas alheios, porque isso não vai ajudar a fazê-los felizes. Um relacionamento não saudável é quando duas pessoas tentam resolver os problemas um do outro para se sentir bem consigo mesmas.

Definir limites adequados não significa que você não pode ajudar ou apoiar seu parceiro ou receber ajuda e apoio. Os dois devem se apoiar mutuamente. Mas que seja por escolha própria, não por se sentirem obrigados a isso ou no direito de exigir.

Pode ser difícil reconhecer a diferença entre fazer algo por obrigação ou voluntariamente. Então, eis um teste para o salvador. Pergunte a si mesmo: “Se eu me recusasse a fazer esse gesto, o que mudaria no nosso relacionamento?” Para a vítima, a pergunta seria: “Se meu parceiro se recusasse a fazer algo por mim, o que mudaria no nosso relacionamento?”

A confiança é o ingrediente mais importante em um relacionamento, pela simples razão de que sem ela o relacionamento não significa nada. Uma pessoa pode dizer que ama você, que quer ficar com você, que largaria tudo por você, mas se você não confia nela, não se beneficia dessas declarações. Você não se sente verdadeiramente amado até confiar que esse amor não virá com alguma condição especial nem bagagem agregada.

Mas nem sempre mais é melhor. Na verdade, o oposto é verdadeiro. Em geral ficamos mais felizes com menos. Quando somos sobrecarregados por oportunidades e opções, sofremos o que os psicólogos chamam de paradoxo da escolha. Basicamente, quanto mais variáveis, menos satisfeitos ficamos com o que escolhemos, porque temos consciência de que perdemos várias opções.

Quanto mais velhos ficamos, mais experiência obtemos e menos cada nova experiência nos afeta.

Capítulo 9

se não havia motivo para fazer qualquer coisa, também não havia motivo para não fazer. Percebi que em face da inevitabilidade da morte não existe motivo algum para ceder ao medo, ao constrangimento ou à vergonha, já que tudo isso não passa de um monte de nadas. Ao passar a maior parte da minha curta vida evitando o que era doloroso e desconfortável, eu tinha essencialmente evitado estar vivo.

todo o significado da vida humana é moldado por esse desejo inato de nunca morrer .

para compensar o medo da inevitável perda do eu físico, tentamos construir um eu conceitual, que viverá para sempre. É por isso que as pessoas se esforçam tanto para colocar seu nome em prédios, estátuas e lombadas de livros. É por isso que nos sentimos impelidos a dedicar tanto tempo aos outros, especialmente às crianças, na esperança de que a nossa influência — nosso eu conceitual — dure muito mais que o físico; na esperança de que seremos lembrados, reverenciados e idolatrados muito depois que o nosso eu físico deixar de existir. Becker chamou esses esforços de nossos “projetos de imortalidade”, aqueles que permitem que o eu conceitual continue vivo muito depois da nossa morte física. Toda a civilização humana, diz ele, é basicamente o resultado de inúmeros projetos de imortalidade: cidades, governos, estruturas e autoridades que existem hoje já foram projetos de imortalidade de mulheres e homens que vieram antes de nós. São o que restou de seres conceituais que não morreram.

O que Becker diz, em resumo, é que o medo impulsiona as pessoas a se importarem demais, porque se importar com alguma coisa é a única forma de se distrair da realidade implacável da morte. E estar pouco se fodendo para tudo é alcançar um estado quase espiritual de aceitação da efemeridade da própria existência. Nessa condição é muito menos provável ser dominado por várias formas de arrogância.

Embora a morte seja ruim, ela é inevitável. Então, não devemos evitar essa verdade, e sim aceitá-la da melhor forma que pudermos. Porque, quando nos sentimos confortáveis com o fato de que vamos morrer — o terror essencial e a ansiedade subjacente que motivam todas as ambições frívolas da vida —, podemos escolher nossos valores mais livremente, sem as restrições causadas por uma busca ilógica pela imortalidade, ficando assim liberados de perigosas visões dogmáticas.

Que marca você deixará ao partir? Terá tornado o mundo diferente e melhor? Qual influência terá causado? Dizem que o bater de asas de uma borboleta na África pode causar um furacão na Flórida; pois bem, que furacão sua passagem pelo mundo causará? Como Becker destacou, esta é a única questão verdadeiramente importante da vida, mas evitamos pensar nela. Primeiro, porque é difícil. Segundo, porque é assustador. E terceiro, porque não sabemos o que estamos fazendo.

As pessoas se declaram especialistas, empresários, inventores, inovadores e treinadores sem qualquer experiência real de vida. Não fazem isso porque realmente se acham melhores que os outros; fazem porque acham que precisam ser incríveis para serem aceitos em um mundo que só divulga o extraordinário.

Você já é incrível porque mesmo diante da confusão infinita e da morte certa, continua a escolher com o que se importa ou não.


 



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