A perspectiva culturalista da história marxista: Edward Thompson e a cultura popular

Biografia

O autor de “Costume em Comum; estudo sobre cultura popular tradicional”, Edward P. Thompson, nascido na Inglaterra, foi um historiador de concepção teórica marxista. Considerado pelos seus antagonistas como alguém não muito afeito à teoria, recebeu muitas críticas por este seu comportamento, principalmente do grupo dos Estruturalistas (formado por Lévi-Strauss e Althusser) e dos Funcionalistas.
Thompson trabalhava com o conceito de Experiência. Este diz que homens e mulheres são sujeitos as relações e situações e que a partir das suas experiências cotidianas criam sua própria Consciência e sua Cultura, pois esta experiência é algo que vai se acumulando com o tempo. A partir das experiências criadas, dar-se-ia uma dimensão histórica a classe social analisada.  Norbert Elias afirma que não existe uma atitude natural no homem, sendo tudo baseado no Condicionamento e Adestramento, conceitos com os quais podemos relacionar com a questão de Experiência de Thompson.
A criação dessa consciência é gerada através das relações, como dito acima, e a partir destas são criados valores e tradições que regulam o cotidiano do meio. Dito isto, outro conceito trabalhado pelo autor é a Mediação, que é um momento intermediário no qual a consciência se constitui no ser.
Em relação a questão de Cultura, tema trabalhado com mais ênfase na obra “Costume em Comum”, Thompson acredita que a mesma não é consensual, devendo ser contextualizada de modo a garantir um equilíbrio particular, ou seja, o conceito de cultura varia com o ambiente a qual é tema de estudo.
E é em razão de querer expor o modo de como trabalha a cultura que Thompson escreve a obra “Costume em Comum; estudo sobre cultura popular tradicional”: esclarecer aos seus críticos o que era cultura para ele, diferenciando do conceito de cultura popular usado pelos antropólogos.

Discussão

No texto visto em sala de aula – cotidiano e Cultura: História, Cidade e Trabalho – a autora Maria Izilda Santos de Matos vai falar sobre a interação social entre as esferas publicas e privadas e também um breve questionamento sobre a emergência do estudo do cotidiano na história. Em suma: é importante colocar que as recentes preocupações com a descoberta de outras histórias, ou seja, a preocupação de analisar fatos já descritos tomando outros vieses vem favorecendo os estudos que contemplam a abordagem do cotidiano.
Com a crise da história as pesquisas se voltam para o cotidiano na busca de novas perspectivas sendo assim o privado e o publico de certa forma uma nova visão da história. Assim como E. P. Thompson que trouxe estudos voltados para cultura popular em que o autor vai falar sobre as massas e sua luta pela sobrevivência e improvisação com conscientização política e manifestações espontâneas de resistência. É nesse estudo do cotidiano que se mostra um estudo multidisciplinar na tentativa de construir experiências dos excluídos e dessa forma dar voz a essas pessoas. Podemos ver uma aproximação disciplinar da Antropologia e psicologia com a história das mentalidades.
A produção historiográfica do cotidiano procurou focalizar inicialmente a experiência de sujeitos históricos de diferentes etnias, classes e gêneros: setores populares, grupos étnicos marginais, camponeses, operários. Na recuperação desses setores excluídos, num primeiro momento foi explorada de forma intensa a ótica do trabalho. O trabalho nos tempos modernos e na pós-modernidade é sinônimo de sobrevivência, luta, exploração e em poucos casos riqueza.
A história do cotidiano ao invés de falar de um só sujeito vai mostrar da pluralidade desses  sujeitos, contudo isso não quer dizer que a história ficará em migalhas. A história do cotidiano é um método e não uma teoria. Ela amplia o objeto do conhecimento. 
E em que lugar se passa esse cotidiano? O cotidiano segundo o dicionário é “diário”. O dia-dia das pessoas (trabalho, seu lar, lazer, enfim)  se passa em algum lugar. E é nesse lugar que a cidade se constitui seja ela no meio rural ou urbano. As relações que se estabelecem todos os dias desde ir ao mercado até à hora de seu descanso se constitui o cotidiano. A cidade é o palco do cotidiano das tensões e experiências diversas. É nesse lugar que será analisada as relações do publico e privado. A cidade pode ser tanto o registro como o agente histórico.
O publico e o privado são esferas de espaço geográfico e psicológico. Psicológico, pois não existe uma linha que defina publico ou privado. São linhas muitas vezes imaginárias e que se revelam de individuo para individuo. E geográfico por que a delimitação de extensões territoriais existe para nortear a vida dos indivíduos no que diz respeito aos limites de uma nação, ou limites do terreno de uma casa. O publico por sua vez é todo aquele espaço em que não é seu por excelência, mas faz parte de seu cotidiano como praças, mercados, igrejas. O privado é o lugar onde se passa uma boa parte de sua vida, onde o individuo tem maior liberdade, pois nele as ações são feitas ao seu bel prazer. Privado é ainda a separação entre a vida privada da família ante o resto da sociedade.
Obra

Em sua obra, Thompson tenta promover o resgate social através da visão marxista, enveredando pelo lado social, mostrando as relações do cotidiano entre as pessoas da classe operária. Diferente da maneira habitual do marxismo, Thompson mostra que as relações sociais vão além do plano econômico, pretendendo assim explicitar o cotidiano da classe através de termos culturais. Ao mesmo tempo, pretende definir qual o significado que dá ao conceito de Cultura.

“Costume em Comum; estudo sobre cultura popular tradicional”

No primeiro capítulo de sua obra, Thompson faz o recorte cronológico do seu trabalho: A Inglaterra do século XVIII e parte do XIX, focando as manifestações dos costumes na cultura dos trabalhadores (classe operária) em busca dos seus direitos.
O choque entre as culturas dos patrícios (reformadores) e a plebe (resistência) fez, segundo Peter Burke, surgir o folclore, ou seja, a criação dos antigos costumes. Francis Bacon define esses costumes como uma conduta inercial, habitual e induzida. O apreço ao trabalho era incentivado, segundo Mandeville, de modo que não sobrasse tempo para os trabalhadores refletirem sobre suas condições de trabalho, impedindo assim dos mesmos ampliarem seus horizontes. A ignorância do que se acontecia a sua volta era o ingrediente principal para a felicidade. Para o mesmo Mandeville, quanto maior o aumento da população, mais cresce a sua infelicidade. Esta realização através do trabalho é uma forma de alienar o homem e escravizá-lo em sua atividade, segundo Karl Marx. O homem passa a viver em função do capitalismo e sua vida é medida não mais pelo que ele é, mas sim pela quantidade de bens que consegue manter. Sem direito a educação e preso às amarras capitalistas, só restava aos menos favorecidos recorrer às tradições orais para preservar seus costumes.
Thompson acredita que os costumes adquiridos durante o tempo servem como contexto para que as pessoas realizassem alguma intervenção direta na sociedade.

“Os costumes podem fornecer o contexto em que as pessoas talvez possam fazer de modo direto, eles podem preservar a necessidade da ação coletiva, do ajuste coletivo de interesses, da expressão coletiva de sentimentos e emoções dentro do terreno de domínio dos que deles co-participam, servindo como uma fronteira para excluir os forasteiros

Havia também uma crença no sistema cognitivo, no tocante ao aprendizado das crianças:

“A criança faz seu aprendizado tarefas caseiras, primeiro junto à mãe ou avó, mais tarde (frequentemente) na condição de empregado domestico ou agrícola no que diz respeito aos mistérios da criação dos filhos, a jovem mão cumpre seu aprendizado junto às matronas da comunidade.”

O capítulo seguinte trata das relações de poder, através da terra, entre a Gentry e a população mais pobre. Essa disputa entre classes é considerada, para os marxistas, o motor da história. Haverá sempre um dominador e um dominado, sendo a classe mais abastada aquela que oprime a menos favorecida, configurando assim uma disputa.
É percebido o dualismo nas relações patriarcais e paternalistas envolvendo a posse da terra. A realidade paternalista retorna ao passado, quando o senhor busca proteger seus trabalhadores. Isso se dá, nesta época, devido ao fato do dinheiro ter adquirido importância impar na sociedade, provocando o conflito entre o homem livre, pago em espécie, e o homem trabalhador, ligado a terra.

“Deve-se notar a longa resistência que os senhores ofereciam a algumas de suas conseqüências. Eles desejavam ardentemente ficar com o melhor do mundo antigo e do novo, sem as desvantagens de nenhum dos dois. Agarravam-se à imagem do trabalhador como um homem não livre, um ‘servo’ : um servo lavoura, na oficina, na casa.(Agarravam-se simultaneamente a imagem do homem livre ou sem senhor como vagabundo, a ser disciplinado, chicoteado e compelido a trabalhar)”.

A subordinação/exploração torna-se objeto de negociação e cai em desuso à terminologia “senhor”, sendo esta substituída pelo termo “empregador”.  O homem passa a vender sua força de trabalho ao capitalismo; seu ordenado representa apenas uma parte do produto no qual ele trabalhou, indo o resto do montante, chamado mais-valia, para as mãos dos capitalistas, trazendo uma disparidade entre o valor real do produto e o preço pelo qual foi vendido. Esta mais-valia dá origem a uma lucratividade cada vez maior para o capitalista.
A partir dessas oposições de classes, Thompson esclarece que a cultura é formada a partir de baixo do seguinte modo: ”Não só os elementos mais óbvios – eram assim criados as canções folclóricas, os clubes dos ofícios e as bonecas de sabugo – eram ali criados, mas também interpretações da vida, satisfações rituais”, sendo a cultura plebéia a antítese da cultura elitista, ou seja, uma criada em oposição à outra.
Na terceira parte de seu livro, Thompson mostra como os costumes têm força de lei para a sociedade da época.
Essa lei, embasada pelos costumes, é sustentada a partir de quatros pilares principais: a antiguidade, a constância, a certeza e a razão. Porem, Thompson destaca, os costumes não são fixos e imutáveis, pelo contrário: dependem da classe que está recorrendo em busca dos seus direitos.

O cercamento beneficiaria especialmente a mãe dele, “pois ela tem maior terra comunal da região; alem dela há três proprietários plenos e o presbitério, todos concordam em fechar os campos, com exceção de uma única pessoa que por rabugice não abre mão das terras[...]”. a mão desejava saber se podia ser feito, mesmo sem concordância de um único homem, sem uma lei Parlamento, ao que ela lamentaria ter de recorrer, não só o frenesi pelo desenvolvimento agrícola, mas também a tenacidade com que sujeitos ‘impertinentes’ e ‘despeitados’ obstruíam um cercamento por acordo, resistindo até o fim em favor da antiga economia baseada nos costumes”.

Podemos também parafrasear Ward Goodenough: este, de certo modo, embasa as palavras de Thompson, ao afirmar que a cultura é algo que alguém necessita saber e acreditar a fim de agir de uma forma aceita pelos membros da sociedade em geral. Exemplificamos isso com a questão dos mercadores, no qual em cada cidade havia um modo de comerciar e quem não se adequasse acabava excluído.
No quarto capítulo, o autor mostra que é possível dar uma dimensão histórica para as pessoas comuns, ou seja, elas podem e fazem parte da história.
Para tanto, é citado o caso dos motins iniciados pelas mulheres:

Num motim contra a exportação em 1737, em Poole(Dorest), relata-se: “ A multidão consistem em muitas mulheres, e nos homens que lhes dão apoio, e todos juram que se alguém molestar as mulheres com suas atitudes, vão sublevar um grande numero de homens e destruir tanto os navios quanto as cargas”. [...] Em dúzias de casos, a história é sempre a mesma - As mulheres atacando um negociante um negociante impopular com suas próprias batatas, ou combinando astuciosamente a fúria com o calculo de que eram um pouco mais imunes do que os homens à retaliação das autoridades[...]”

Além disso, menciona o desenvolvimento empreendido na agricultura, as relações hostis de negociação/mercado e as mudanças promovidas no sistema de medidas e monetário.
Em boa parte do quinto capitulo, Thompson rebate muitas criticas que foram feitas ao seu trabalho e principalmente a “economia Moral Revisitada”. Este foi primeiramente publicado (1971) em forma de artigo para depois se incorporar a obra em questão. Neste capitulo o autor vai falar do mercado, praça e das relações e do protesto.

“O Mercado é um mercado ou uma metáfora? É claro que podm ser ambas as coisas, mas muito freqüentemente o discurso sobre o “mercado” transmite a impressão de algo definido – um espaço ou instituição de permutas [...]”

Nesse sentido o mercado é onde existe o encontro de consumidor e produtor. É a relação direta no âmbito publico em que um necessita do outro. Em cima disso ele vai fazer uma grande discussão com a corrente positivista e as idéias de Adam Smith. Adam Smith foi o pai da economia moderna, e é considerado o mais importante teórico do liberalismo econômico. Autor de "Uma investigação sobre a natureza e a causa da riqueza das nações", a sua obra mais conhecida, e que continua sendo como referência para gerações de economistas, na qual procurou demonstrar que a riqueza das nações resultava da atuação de indivíduos que, movidos apenas pelo seu próprio interesse (self-interest), promoviam o crescimento econômico e a inovação tecnológica. No contexto da época em que Adam Smith fez sua obra A riqueza das nações, o que se discutia na França e na Inglaterra eram as medidas que as autoridades podiam tomar de tempos em tempos de carestia e escassez. Por este ponto havia grandes discordâncias, não só pelos tradicionalistas, como também pela multidão, e os economistas políticos. Para Smith o interesse dos negociantes e das massas eram os mesmos.
Os motins vão ser questões em que a gentry e os comerciantes, mercadores, tentam de alguma forma estabilizar a situação de subida e queda nos preços do trigo e dos grãos. Por vezes os consumidores e os fazendeiros, negociantes, magistrados se encontravam pessoalmente para negociar, mesmo ainda que por “motins” os preços do mercado e as relações mais impessoais dos grandes mercados urbanos no qual eram abastecidos por negociantes que compravam em mercados distantes.

“Os motins, como ‘um momento constituinte dinâmico de propriedade e poder’ evidentemente adotaram formas e significados diferentes em diferentes histórias nacionais e, no caso inglês, devem ser vistos dentro da estrutura particular entre patrícios e plebeus que examinaremos, com seus limites e seu espaço para a desordem.”

No sexto capítulo, Thompson vai tratar do tempo, das relações de trabalhador e empregador, da classe burguesa como a dominante no século do capitalismo industrial.  
Em um primeiro momento o autor discute o tempo. Tempo como um agente disciplinador das tarefas diárias e de ação direta para remediar as classes de maneira geral. O tempo se mostra com conotações diferentes nesse contexto do século XVII em diante. Para o Burguês industrial, ou melhor dizendo o capitalista, o tempo é a disciplina da classe operária. As fabricas são reguladas pelo tempo e quanto mais houver trabalho mais o capitalista terá seus lucros. Em contra partida para as classes dominadas, o tempo está relacionado com os processos familiares no ciclo do trabalho e das atividades domesticas. Ele diz o que se deve fazer e quando deve ser feita tal ação. O tempo vai ser medido de muitas maneiras e muito delas de modo tradicional como o canto do galo, o relógio do sol.
Com as novas tecnologias surgindo nesse período do século XVII, os relógios vão se desenvolvendo e chegam então os relógios mecânicos e de bolso. Antes de o relógio entrar nas casas populares era um adereço de luxo da gentry, era um sinal de padrão de vida elevado. A partir disso o relógio que antes era pra poucas pessoas, se torna um objeto popular.

“Não é absolutamente claro até que ponto podia dispor de horas precisa, marcada pelo relógio, na época da Revolução Industrial. do século XIV em diante, construíam relógios de igreja públicos nas cidades e nas grandes cidades-mercado. A maioria das paróquias inglesas devia possuir relógios de igreja no final do século XVI.”

No que diz respeito ao tempo nos trabalhos da agricultura o bom tempo era fator primordial para uma boa lavoura do agricultor. O mau tempo podia prejudicar não só a agriculturas, mas também a tecelagem, pois as peças tinham que ser estendidas sobre a rama para secar.
Havia também certa irregularidade nos dias da semana, pois o horário ainda não estava tão bem disciplinado. Em determinados momentos era comum que os trabalhadores saíssem para beber em dias da semana de trabalho. A segunda se chamava de Santa Segunda-feira, pois era o momento de compartilhar como foi o domingo. Era o dia da semana que o trabalhador tinha tempo de sobra (parecia um feriado) e com o passar do tempo se tornou um feriado de hábito e costume estabelecido. Os dias da semana ainda não eram tão regulares como vemos hoje, nos quais são destinados dias para trabalhar e os dias para descansar. Era uma gigantesca jornada de trabalho estressante, cerca de 12 horas por dia, que podia variar dependendo da profissão exercida.

“Assim tanto os cercamentos como o desenvolvimento agrícola se preocupavam, em certo sentido, com a administração eficiente do tempo da força de trabalho. Os cercamentos e o excedente cada vez maior de mão-de-obra no final do século XVIII arrochavam a vida daqueles que tinham um emprego regular”

A partir do sétimo capítulo, o autor trata de uma das praticas comuns da época: a venda das esposas. Em meio a um século tempestivo de constantes mudanças onde à economia e a indústria estavam se desenvolvendo rapidamente e as relações no âmbito privado eram cada vez menores em detrimento as longas jornadas de trabalho.
No rito, a esposa era levada ao mercado, presa por uma corda, em geral amarrada ao redor do pescoço, e entregue assim ao comprador. Na maior parte do tempo havia a aparência, pelo menos, de um leilão e a troca de algum dinheiro. O aspecto público do costume indicava que os participantes aceitavam voluntariamente o acordo e impedia esforços posteriores de romper com seus termos. Há graus variáveis de bom humor indicados nos relatos.
De fato, o costume era geralmente uma maneira de terminar com um casamento e formalizar outro, em uma época em que o divórcio não estava ao alcance dos pobres. O comprador era muitas vezes identificado como o amante da esposa a ser vendida, e o rito servia para compensar o marido financeiramente, e talvez psicologicamente, por meio da humilhação da mulher. Em suma, uma troca de parceiros por consentimento mútuo.
O costume exigia, na prática, o consentimento da comunidade com seus termos e certa autonomia da cultura plebéia em relação à culta. Exigia também que as autoridades civis e religiosas fossem distanciadas, desacreditadas ou tolerantes. Em vez de desprezo pelo casamento, o costume revela uma cultura que levava bastante a sério as formas da instituição e até inventou um rito para valorizá-la.
A prática se tornou mais freqüente no começo do século XIX. O comércio, no entanto, já vinha desde o final do século anterior, mas não foi muito notificado pela imprensa já que não era considerado digno de registro, salvo em ocasiões em que eram casos trágicos, cômicos ou escandalosos. A sociedade reprimia tais feitos dizendo que a mesma era desagradável e vergonhoso. O homem que vendia sua mulher era um animal a mulher por sua vez não tinha valor moral era uma vagabunda desavergonhada.

“A venda da esposa não era de modo algum um caso fortuito, sendo raramente um caso cômico. Era altamente ritualizada: devia ser realizada em publico e com um cerimonial estabelecido.”

A venda deveria ocorrer numa praça de mercado e sempre em local público para que toda a população visse o desfecho. A venda as vezes era anunciada por um apregoador ou o marido andava pelo mercado com um cartaz fazendo o anuncio dizendo a hora, local e as condições da mulher. A mulher utilizava amarrava uma corda ao redor do pescoço. A corda no pescoço fazia parte do ritual de “passagem” onde a mulher seria entregue ao seu novo marido. A corda tinha um significado simbólico que seria como “ a entrega da mercadoria” e aquela não podia ser uma corda velha ao contrario tinha que ser nova. Por diversas vezes era utilizado cordas de seda que simbolizava uma esposa de “qualidade”.
É interessante notar que em muitos casos o marido não se interessava, ou não se sentia mais a vontade com sua esposa e com isso a vendia no mercado. Em contra partida se a mulher não se sentisse a vontade com seu marido ela colocava a corda em seu pescoço e ia se vender no mercado. É como se a mulher não tivesse valor algum e o homem sim. Quase sempre o motivo das vendas era o colapso do casamento. É de se notar também que até o início do século as autoridades tanto eclesiásticas quanto seculares não se importavam com o comercio das mulheres.
Por fim, no último capítulo, Thompson aborda a “Rough Music”. Esta se refere simplesmente a zombarias deferidas pela sociedade que repudia ações não aceitas pela comunidade. É uma prática que é usada desde o fim do século XVII e que perdura até os dias de hoje. Um exemplo disso são as mulheres que tiveram relações sexuais com soldados alemães na Segunda Guerra Mundial. A forma, e o tom, de “Rough Music” variaram bastante, mas no fundo os casos que Thompson reconta são rituais de humilhação dirigidos a quem, no julgamento da comunidade, ofendeu seu código moral. Os significados do costume são bastante complexos.
Socialmente conservador, reforçando tradições e formas de dominação masculina, “Rough Music” também teve efeitos subversivos com seus ritos de inversão, suas blasfêmias e obscenidades. Dirigiu-se não apenas contra adultérios e outras ofensas às normas sexuais, mas também visou oficiais impopulares e furadores de greves.
O Rough Music” é praticado não só na Inglaterra dos tempos antigos, mas hoje ainda se vê tais praticas. É comum ver homens apanhando de esposas? Não em nossos dias. Mas quando se vê tal cena o homem se torna motivos de chacota entre seus amigos e vizinhos. Na Inglaterra do século XVII acontecia com mais freqüência e não só por esses motivos, mas também quando o homem era pão-duro, alcoólatra, etc. De modo geral era uma tradição plebéia e muitas vezes podiam assumir um significado social polemico.

“No Século XVIII, quando se alargou a distancia entre a cultura dos patrícios e a dos plebeus, a Rough Music se tornou mais claramente uma forma plebéia. Prosperou como meio de auto-regulação, sobretudo em certos tipos de comunidade “camponesa” e proto-industrial. Mas não se pode dizer que a Rough Music seja uma tradição da classe trabalhadora, pois as formas não se integram perfeitamente nos primeiros momentos do movimento operário.”  

       De qualquer forma, "Rough Music" demonstra a existência de uma cultura popular capaz de se auto-regular, distante da lei formal e às vezes até em oposição às normas oficiais. Thompson não sentimentaliza as conseqüências, nem sempre agradáveis às nossas sensibilidades, desta forma de justiça popular. Não-conformistas sexuais, por exemplo, sofreram consideravelmente. O resultado, como diz Thompson, "é apenas tão agradável e tolerante quanto os preconceitos e as normas do povo permitem".

Referencias Bibliográficas

MATOS ,Maria Izilda Santos de – Cotidiano e Cultura: História , cidade e trabalho. Bauru, São Paulo: EDUSC,2002   
THOMPSON, E.P. Costumes em comom - São Paulo: Companhia das Letras, 2005.

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